terça-feira, 31 de agosto de 2021

MALTA das OBRAS

 

Cenas típicas nas Construções Técnicas (XXX)

Desde sempre que a tendência do tuga, em especial no caso vertente a malta das obras, foi a de encetar casos e cenas que alimentassem a risota no seio de grupo, mesmo que para isso tivesse que pregar umas partidas ao parceiro. Também, se assim não fosse, nem havia a indispensável alegria no trabalho. Se a defunta sigla FNAT expressava isso mesmo, Alegria no Trabalho, mas o Zé, ganhando mal, não lhe achava grande graça, então seria nas obras que, dando asas à imaginação, engendrava os mais estafafúrdios esquemas, só para se divertir. 

A fim de ilustrar uma das tais cenas, vou proceder à narrativa que teve como ator principal o encarregado de 2ª, o Patrício, da Divisão de Fundações, na obra de construção de um dos molhes do Porto de Leixões, isto na década de 70.

Era verão, o sol abrasava, e o pessoal, hidratando-se,  bebia, bebia... Uns só bebiam água, outros apenas cerveja, e até havia aqueles que faziam mistura dentro da barriga. O encarregado de 1ª, Jorge Filipe, tal como os demais, também bebia. Bebia, mas era à sombra no bar da APDL. Este,  quando regressava à zona de obra, resguardava-se da canícula, permanecendo na barraca da frente de trabalho, já que a mesma se encontrava equipada com uma grande ventoínha. O nosso amigo Patrício, a dirigir a cravação de larsens no topo poente, e que, tal como o seu pessoal, só tinha um rudimentar e nauseabundo urinol a 300 m do seu local de trabalho, achava que, também ele, era filho de Deus e, por isso, lhe assistia o direito de, no mínimo, ter o privilégio de mijar mais perto e à sombra. Mas sombra, sombra... só apenas atrás da barraca do Jorge Filipe, já que o Patrício, além de ser um inveterado forreta e por nada deste mundo gastava um chavo com a bebida, desculpava-se argumentando que lhe ficava mal abandonar a sua zona de trabalho, dando um péssimo exemplo aos seus subordinados para ir ao bar. Assim sendo, o seu ritmo mictório teria que ser sincronizado, já que só na ausência do Jorge Filipe ele faria a sua mijinha na apetecível sombrinha das traseiras da barraca.

A cada dia que passava, o cheirete a urina mais se intensificava. De tal modo, que o encarregado Filipe começou a desconfiar que algo de anormal se estava a passar por ali, bem perto das suas barbas, salvo seja. Investigou e concluiu que aquela espécie de nitreira era causada pelas operações mictórias levadas a cabo pelo Patrício e seus acólitos.

Mas o Jorge Filipe, à boa maneira do pessoal das obras, não se desmanchou nem deu à dica, antes preparou um esquema para, não só acabar com aquele despudorado abuso mas, também, para se divertir com o desfecho que, previa, seria para rir a bandeiras despregadas. Então, no fim do turno de trabalho, esperou que o pessoal saísse e arranjou um cabo elétrico que descarnou na ponta e sepultou sob a terra, de modo dissimulado, ligado no interior da barraca.

O Jorge Filipe, manhoso, colocou-se num ponto estratégico, junto ao tal urinol manhoso, que ninguém utilizava, e observando verificou com agrado que o primeiro fulano a verter águas naquela manhã foi, precisamente, o nosso amigo Patrício.

Aos pulos e aos berros, de dor e pânico, o mijão-mor já pensava que não voltava a mijar, não tanto atrás da barraca, mas na sua vida.

Naqueles velhos tempos, tivesse o cineasta Manuel de Oliveira sabido disto e teria feito um belo filme.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Engº Carlos Santana


Cenas com o engº Carlos Santana (I)
1 - Prelúdio
Em certos episódios escritos, tanto em livro como em blogue, abordei temas e cenários, que, enquanto colaborador das C.T., achei bastante pertinentes. Pela sua relevância achei que deviam os mesmos figurar nos meus escritos de memórias, dando vida às narrativas mais atípicas, ligadas às nossas obras, cujos protagonistas foram desfilando através dos relatos, versando os anos 60, 70 e 80. Os que os leram sabem que até o nosso engº Braz Menezes a eles esteve ligado e, por isso, noutra rubrica, também teve honras de destaque. Hoje, porém, com a devida vénia, julgo ser, de todo, pertinente destacar a contribuição do engº Carlos Santana. 
      Ouvi, por mais de uma vez, o engº José Godinho, da TAP, referir-se ao engº Carlos Santana, como o mestre Santana. No entanto, só algum tempo depois fui compreendendo o porquê desse tratamento, na verdadeira aceção da palavra. Foram muitas as ações que estiveram na base deste pensamento. Desde o dimensionamento de Estruturas Tubulares, Cofragens e Composições de Argamassas e Betões, tudo isso me foi ensinado por ele. 

2 - O Asfalto em Banho-Maria
      Estava a Marina de Vilamoura na sua fase intermédia, quando, por força do planeamento de obra, chegou o dia e a hora de proceder a um ritual, que consistia no batismo da colocação de asfalto no miolo daquela amálgama de pedregulhos do Esporão 1. No fim daquela tarde de julho, começava a juntar-se na raiz daquele esporão o pessoal técnico e administrativo que havia de testemunhar tão aliciante evento. O avanço de cada operação era de 10 m. Colocadas que estavam todas as camadas de enrocamento naquele conjunto de forma trapezoidal, havia que proceder à sua aglutinação através da selagem por meio de uma mistura de asfalto e filler. Eram baldes de 0,75 m3, transportados por meio de camião – 4 baldes de cada vez - desde a Central Marini. A uma temperatura entre 120 e 150º, seriam colocados, por basculação, através da grua Pennine II, e segundo esquema desenhado em tabuleiro, monitorizado por célula fotoelétrica colocada na lança da grua.
      O “Estado-Maior” da Lusotur, como dono da Obra, estava todo em peso. Agora, era ver e ouvir, cada um dos circunstantes a tentar “adivinhar” como é que uma operação daquela complexidade se iria desenrolar. Vaticinava-se muita coisa, múltiplos processos, mas para nós, os que sabíamos como proceder, aquilo nem teria assim tanto de transcendente… E como não há nada mais prejudicial a quem trabalha, do que a presença daqueles que nada fazem, nem sequer os comentários, por mais ridículos que fossem, nos faziam rir.
      E eis que o primeiro balde de asfalto, depois de se lhe conferir a temperatura através do pirómetro, era içado no gancho da Pennine e descia a caminho do nicho pré-estabelecido, mas que ninguém via porque o sítio estava submerso.
    O silêncio, que nesta fase imperava, foi bruscamente interrompido por um grito lancinante lançado pelo chefe da Fiscalização, o engº Dragão. De olhar um tanto perturbado, perguntou ao diretor da Obra, Carlos Santana:
      - Ó Santana, então vocês vão colocar o mastique dentro de água?
      O engº Santana que, até então, tinha mantido uma postura serena, observando os trabalhos, “passou-se dos carretos” com tal pergunta e, respondendo com outra pergunta, atirou:
      - Ó engº Dragão, mas que pergunta é essa? O senhor estudou nos mesmos livros que eu? Isso, nem é pergunta que engenheiro faça! Com a agravante de, tanto o projeto como a fiscalização serem vossos!...
      O engº Dragão, que se fez de mil cores, não retorquio. Passados poucos minutos, talvez devido ao cansaço por estar para ali de pé, fazia tempo, escapuliu-se, de fininho, sendo que nos deu um descanso de uma semana, sem ser visto por ali. 

- Os Duques d’Alba  
Estava agendada, para breve, uma visita à obra da Marina por parte do Presidente Américo Tomaz. Ora, como o fundador do Banco Português do Atlântico, da Lusotur, e seu principal administrador, dr. Cupertino de Miranda, ainda não conhecia a sua obra, ao vivo, achou que deveria fazer uma visita ao empreendimento antes do Presidente da República.
Numa tarde soalheira de junho de 1973 entrou, obra adentro, uma comitiva de viaturas de luxo onde, numa delas, viajava o comendador. Não sei porquê, mas essa tal comitiva não se deu ao trabalho de percorrer as estradas da obra. Será que alguém mais influente dissuadiu os membros do grupo de fazer o périplo pela obra? Realmente, meter carros de luxo, topo de gama, pretos a brilhar, naqueles caminhos poeirentos, calcados por camiões carregados de pedregulhos e outras pesadas máquinas, não era sensato. A pé, pior seria emenda que o soneto, pelas razões apontadas. Então o que é que, verdadeiramente, eles pretendiam fazer? Foi simples: por convite do diretor da obra, engº Carlos Santana, que lhes franqueou as portas do seu gabinete, ficaram a conhecer, à distância e através dos mapas e projetos afixados nas paredes, uma obra que, em breve, assistiria à visita do Presidente Tomaz. Além disso, como os nossos escritórios se situavam no cimo de uma colina, de onde se vislumbrava toda a obra, melhor não havia que aquele ponto de observação, para se ficar elucidado acerca do andamento dos trabalhos.
O diretor da obra, ao mesmo tempo que ia assinalando as barras e datas no Plano de Trabalhos, tipo Gantt, também descrevia, de ponteiro em riste, os diversos locais específicos e apontava , através da ampla janela, para cada um deles.
O engº Santana dizia:
— Ali, ao centro, é o Plano Inclinado; a seguir é a Doca do Pórtico; aqui, mais abaixo, onde estão os Duques d’Alba…
Aqui, o engº Santana foi bruscamente interrompido pela intempestiva entrada do dr. Cupertino. No preciso momento em que o engenheiro proferiu os nomes dos Duques d’Alba[1], o comendador perguntou:
— Os Duques d’Alba? Onde é que eles estão? Onde é que eles estão?
Eu bem sei que o administrador da Lusotur não tinha a obrigação de saber, em termos de construção, o que eram Duques d’Alba, mas a repentina curiosidade com que fez e repetiu a pergunta, é uma demonstração dos complexos que afetam muitas figuras da alta sociedade, mesmo tratando-se de Cupertino de Miranda.
Os trinta anos que ele passou no Brasil, devem-lhe ter toldado algum conhecimento da realidade ibérica ou então sofreria de síndrome da monarquia. Nem sei se foi por causa dessa maleita da monarquia, que o comendador antecipou a sua visita para não se encontrar com o republicano Tomaz, mas vá lá agora saber…


4 - A visita do Presidente Tomaz
Francamente, não me passava pela cabeça ser possível a visita de um Presidente da República à obra da Marina de Vilamoura, mas foi isso mesmo que aconteceu. Um mês depois da visita relâmpago do comendador Cupertino de Miranda, entrou na nossa obra uma majestosa comitiva, encabeçada pelo Presidente da República, almirante Américo Tomaz. Trazia consigo o patrão das pescas e guardião do Estado Novo, contra-almirante Henrique Tenreiro. Como pendura apareceu por ali a dona Fernanda Pires da Silva (proprietária do Autódromo do Estoril), com um arquiteto e um pintor, tendo apresentado os ditos como “os meus técnicos”.
Para quem não saiba, esta senhora era co-proprietária do Hotel Grão-Pará, que estava em construção e se situava a leste da Marina. O outro sócio era, nem mais nem menos, que o ex-Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira.
As viaturas, uma a uma, com a do Presidente à cabeça, estacionaram no hall sob o alpendre dos escritórios. Em seguida foi o almirante convidado a entrar no gabinete do diretor da obra, engº Carlos Santana, a fim de se inteirar, através do projeto, de que constava a obra. No que concernia ao empreendimento, suas zonas específicas, funcionalidades, quantidades de trabalho e prazos, era de bom-tom que se elucidasse parte da comitiva[2], antes da visita os locais. Assim, o engº Santana, de vara na mão, e apontando, ora para os planos, ora para a obra, ia descrevendo cada atividade e meios utilizados para dar cumprimento às tarefas programadas.
Estava a cerimónia de apresentação prestes a findar, quando a dona Fernanda chegou à fala com o Presidente, com o intuito de lhe meter uma cunha, mesmo à vista de toda a gente. Para isso, disse:
— Senhor Presidente, este é um grande empreendimento turístico, tal como todos os complexos nesta faixa do litoral, daqui até ao Hotel da Penina. No entanto, se a construção da cimenteira da Cisul, não for embargada, os fumos e pó da fábrica vão afetar todos eles.
O Presidente, a quem chamavam o cabeça-de-abóbora, mas, pelos vistos, não era assim tão burro, e sabendo onde a senhora queria chegar, respondeu:
— Ó dona Fernanda, não exagere! Acha então a senhora, que a Penina, que dista daqui uns sessenta e tal quilómetros, estará exposta a pó e fumos da cimenteira? Nem pense!
A senhora, vendo que já tinha metido água, não disse mais nada. O Presidente sabia bem que, o que a dona Fernanda pretendia era fazer da fábrica tábua rasa para não causar incómodos ao Hotel Grão-Pará, da qual era dona. Esse sim, ficando a uns seis quilómetros da Cisul, poderia, eventualmente, vir a ser afetado com os fumos tocados a ventos de norte.
Já na fase final, antes da saída de todo aquele pessoal, um tenente da GNR, membro da Casa Militar de Belém, que acompanhava a comitiva, resolveu sair dali sem atropelos. Para isso dirigiu-se para a porta lateral do escritório, em cujo limiar se cruzou com o engº Carlos Santana. O militar, achando que tinha feito uma boa jogada ao antecipar a sua saída, disse ao engenheiro:
— Vou mesmo por aqui, pela porta do cavalo.
Ao que o engº Santana retorquiu:
— Esta porta é a que eu utilizo todos os dias!
O tenente, achando que já tinha dito asneira, pediu desculpa pelo dito e saiu para a rua.

5 – Os Caguinchas 
       Ainda na Marina de Vilamoura, quando passei sobre um monte de tout-venant, coloquei mal um pé e magoei-me num tornozelo. De tal modo que, passados dois dias, fiquei com inchaço tal que mais parecia uma batata. Mal podia colocar o pé no chão. O engº Carlos Santana, vendo-me naquela situação, aconselhou-me um ortopedista, seu amigo, com consultório em Faro. E aí fui eu.
     O médico observou-me o tornozelo e decidiu:
     - O senhor vai ter que levar umas infiltrações!
     Nisto, mesmo sem auscultar a minha opinião, muniu-se de uma seringa, encheu-a com um líquido espesso, esbranquiçado, enfiou numa extremidade uma mega-agulha, que deveria ter uns 15 cm, e vai disto: tornozelo acima até despejar o conteúdo.
     Gritei e não foi pouco! E a verdade é que saí muito pior do que entrara. Mas isso era natural, estava tudo bastante dorido. Mas o compromisso era ter que repetir a dose na semana seguinte, e na outra e mais na outra… Como, passados uns três ou quatro dias, vi que o inchaço ia diminuindo, decidi dar-me como curado e não mais pus os pés naquele consultório.
     O médico, falando com o seu amigo Carlos Santana, dizia-lhe:
     - Eh, pá, esse teu subordinado nunca mais cá veio!  
     E era verdade. Nunca mais lá fui. Então, o engº Santana, de vez em quando, atirava-me com a piada:
     - Ó Caria, o médico diz que você não voltou lá, porque é um caguinchas!
     Mas os tempos iam decorrendo e foi em correria coxa que o engº Santana se dirigiu ao consultório do tal médico seu amigo. Ele estava com um inchaço num joelho e, por isso, começou a coxear. Segundo me disse, depois, bem depois, o tratamento foi igual ao meu. A abominável agulha e mais aquele espesso líquido. Como (não) seria de esperar, o engº Santana ficou-se pela primeira e única dose.
     Agora, já éramos dois, os caguinchas.


6 - O Primo Pires
     Numa ida à Escola Industrial de Faro com o engº Carlos Santana, vendo que ainda era cedo para a hora da reunião marcada com o Diretor, estivemos por ali, pelo jardim, a fazer horas. Estávamos em conversa sobre não sei o quê, quando passava por perto um indivíduo que, ao ver o engº Santana, correu a cumprimenta-lo.
     - Olá, Carlos Santana, estás bom?
     - Olha o primo Pires!...
     Conversaram durante um bom bocado e despediram-se. Eu estranhei, porque nenhum deles referira nem um familiar, sequer… Nem tios ou tias, outros primos… nada. Intrigado, perguntei:
     - Então, engº Santana, mas ele é seu primo de que parte?
     - De parte nenhuma! – respondeu.
     E continuou:
     - Primo Pires é mesmo o seu nome! E é curioso, porque ele, Primo Pires, é engenheiro licenciado no Técnico, por antiguidade.
     - Por antiguidade??? – estranhei.
     - Sim, por antiguidade. Andou tantos anos, matrículas e mais matrículas, que foi licenciado por antiguidade.
     Por esta é que eu não esperava!




[1] Blocos formados por cortinas de estacas metálicas, tipo Larsen.
[2] Parte da comitiva, porque metade ficou na rua, por falta de espaço

sexta-feira, 15 de abril de 2016

O GÉNERO E VOCAÇÃO

  Na última década tornou-se banal dizer que as raparigas têm mais sucesso escolar do que os rapazes na maior parte do países ocidentais. E que elas são maioria nas salas de aula, tirando as notas mais altas. Também não há novidade nenhuma em constatar que, quando chegam ao mercado de trabalho, as mulheres continuam a receber salários inferiores aos dos homens no desempenho de idênticas funções. Mas como explicar este paradoxo: se elas são melhores alunas, porque têm um desempenho profissional menos entusiasmante?
Esta foi a missão assumida por Catherine Verniers, investigadora do Laboratório de Psicologia Social e Cognitiva da Universidade de Blaise Pascal, na cidade francesa de Clermont-Ferrand. Ela quis saber como podem os estereótipos de género no ambiente escolar justificar o desempenho profissional menos conseguido das mulheres?
Depois de perceber que, apesar do constante e contínuo aperfeiçoamento académico feminino, as mulheres continuavam a ser minoritárias quando em causa estava a ocupação dos melhores cargos nas empresas, Verniers voltou ao ponto de partida para tentar encontrar uma resposta sobre a causa da contradição. Voltou às salas de aula.
Ouviu quase dois mil alunos e alunas franceses em escolas secundárias e percebeu que as diferenças de género começam a surgir muito cedo. É já no ambiente escolar, entre rapazes e raparigas, que a distinção começa a evidenciar-se: quando elas têm bons resultados académicos, é porque são alunas esforçadas, mas eles são naturalmente inteligentes.
Pior, é que elas têm uma inteligência menos flexível do que a deles. E quanto mais elas se esforçam por obter bons resultados, menor potencial de sucesso profissional no futuro é-lhes apontado. Uma relação que não foi estabelecida na investigação para os rapazes. O problema é que nenhum estudo científico parece comprovar na prática o que os jovens revelam sentir no ambiente escolar.
MARCOS BORGA

CUMPRIDORAS E TALENTOSOS

Alguns comportamentos destacaram-se das respostas dos inquiridos como essenciais para alcançar o sucesso escolar: sentido de cumprimento do dever, assertividade, e capacidade de trabalho/inteligência. E elas foram vistas como mais cumpridoras e aplicadas, eles como mais firmes na defesa das suas posições.
O estudo abrangeu um universo de 1954 estudantes, dos quais 1115 raparigas e 839 rapazes , dos sétimo, nono, décimo e décimo segundo anos das escolas francesas. E os participantes tiveram de avaliar e dar nota às qualidades de cada um como estudantes mais valorizadas pelos estabelecimentos de ensino.
Em resposta ao Expresso, Catherine Verniers explicou que, de acordo com o estudo, é desde os 12 anos que este tipo de observações começa a ser relatado pelos jovens franceses. O que poderá indicar, sublinha a investigadora, que esta perceção poderá surgir em idades ainda mais precoces.
E quando os inquiridos dizem que elas têm sucesso escolar porque são cumpridoras, as respostas vão ainda mais longe, afirmando que elas não colocam em causa as regras dos estabelecimentos de ensino, são mais “educadas e cuidadosas”. Eles, quando têm sucesso, é porque apresentam características de “liderança, são dominadores e têm capacidade de decidir”.
NUNO FOX
“De acordo com a investigação, parecem coexistir duas conceções de inteligência: aquela que é inata e flexível e pode ser desenvolvida e aquela que resulta de uma habilidade limitada, evidenciando falta de talento e um reduzido capital de progresso futuro”, explica Catherine Verniers.
A professora diz ainda que as consequências destes estereótipos no processo de socialização, são as de levar as raparigas a pensar, desde muito cedo, que estão mais orientadas para as Humanidades, enquanto os rapazes estão vocacionados para as Ciências e as Matemáticas, podendo, por isso, afetar a confiança feminina na sua habilidade de poder vir a ter sucesso nestas áreas.
Então, como mudar a situação? “Este é o desafio”, responde Verniers. E, para esta investigadora, a saída é encontrar modelos femininos de sucesso. Alguém capaz de ter sucesso, mas que não corresponda aos estereótipos masculinos. Ou seja, uma mulher que não deixe de apresentar as suas características naturais para vencer em áreas onde as mulheres ainda são minoritárias. E alguém que também não esteja demasiado distante das estudantes: “Uma aluna mais velha é mais eficiente neste papel do que uma mulher que tenha conquistado o Prémio Nobel”.
A conferência onde Catherine Verniers apresentou a investigação decorreu esta segunda-feira ao início da tarde e fez parte da semana “Falar de Género”, iniciativa do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.
Esta terça-feira, o debate será liderado pela investigadora portuguesa Maria do Mar Pereira. A socióloga na Universidade de Warwick vai refletir sobre como o sistema universitário nacional “aceita, rejeita, contesta, ignora ou incentiva os estudos de género”. E, no fim do seminário, o objetivo é reunir todas as investigadoras e investigadores do ICS dedicados a trabalhar das questões de género, para tentar construir “uma plataforma transdisciplinar” sobre o tema.
O último dia será ocupado por Ana Matos Fernandes, conhecida como a rapper Capicua, que se assume publicamente como feminista e irá responder às perguntas dos investigadores e da audiência e ler as letras das suas músicas, assumidamente defensoras da causa de direitos iguais para as mulheres.

POETA ALENTEJANO

Ora leiam!
de um POETA ALENTEJANO
Aqui vão décimas do Sr. Máximo, natural de Avis (Alto Alentejo).
"JÁ TENHO LICENCIATURA"
 
Já tenho licenciatura
Agora sou um doutor,
Tenho montes de cultura
Vou ser Ministro? E se fôr?...
 
Inscrevi-me ao fim do dia
Naquela Universidade
Dos diplomas de inverdade
P'ra testar o que sabia.
Já de manhã, mal se via,
De maneira prematura
Eu fiz muito má figura.
Mas mesmo sem saber nada
Formei-me na Tabuada,
Já tenho licenciatura!
 
Dei cem erros no ditado.
E agora o mais curioso :
Por estar muito nervoso
À reta chamei quadrado!
Quando me foi perguntado
Se conhecia o Reitor,
Respondi que não senhor
Embora fosse meu tio!
Disse mentiras a fio,
Agora sou um doutor!
 
Com mesquinhez e com tudo
Puxei das equivalências,
Juntei outras mil valências
Deram-me mais um canudo.
Com diplomas, contudo,
Era fácil a leitura,
Deixei de ser um pendura,
Sou político afamado.
Sou falado em todo o lado,
Tenho montes de cultura
 
Já sou Mestre em Corrupção,
A todos sei enganar.
Habituei-me a roubar
Tirei curso de ladrão.
E agora, queiram ou não,
Mesmo sem nenhum valor,
Eu falo que é um primor
Na Assembleia sentado.
Para já sou deputado.
Vou ser Ministro? E se fôr ?
 
Máximo, Avis, 17 de Julho de 2015

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O CINE-RIBATEJO - Cartaxo

O Cine-Ribatejo foi, durante décadas, a única Sala de Cinema digna desse nome na região do Cartaxo.
Do que me lembro, nos anos 40 e 50 do século XX - e só quando o rei fazia anos - lá ia uma fitazita ambulante a Pontével, a Vale da Pinta ou à Ereira, mas, quase sempre, eram filmes de películas de refugo, riscadas e desgastadas pelo tempo. A começar pelas pobres condições acústicas e de conforto das salas, e a acabar nas "cordas" dependuradas no "pano" (ecran), tudo era mau. Se ao menos fosse num dos "emblemáticos" Cinemas de Lisboa, como o "Piolho", o "Galo", o "Arco Bandeira" ou o Olímpia, ainda a malta podia expressar-se e mandar o projecionista enrolar a "corda", meter a "corda" no saco, mas em Vale da Pinta isso era de todo improvável. Seria, na melhor das hipóteses, excomungado pela sociedade da aldeia, porque, se as coisas descambassem para o pior, ainda podia levar um "enxerto" de porrada no lombo, por se ter armado em Xico-esperto. Aqui, só se podia, e devia, aplaudir, mas nunca assobiar e, muito menos, patear. No entanto, era o que havia.
Eram meses e meses de espera pelo "Home do Cinema." Este chegava pelo início da tarde, dava duas voltas à terra, de carripana artilhada na sua capota com um bojudo altifalante, de cujo interior jorrava uma torrente de algaraviadas que ninguém percebia nada. Arrastava a miudagem (eu incluído) atrás dele e, mesmo que algum de nós (putos) não fôssemos à sessão, parte da festa já estava feita.


O Cine-Ribatejo era outra "loiça": era uma Sala concebida para o bom espetáculo. Os "porteiros" Manecas e Manuel Cebola eram figuras carismáticas, que obliteravam os bilhetes mas não conduziam as pessoas aos lugares, já que, por ali, toda a gente conhecia e tratava a sala por tu. 
Ao contrário do que a lógica - e o oftalmologista - recomendava, nas aldeias vizinhas os lugares mais caros eram nas filas da frente. Era um "luxo" tal, que até as pessoas que iriam usufruir destas filas tinham que levar cadeiras de casa. Nas traseiras, como a 2ª Plateia, era mais a malta remediada, sendo que os unhas de fome, os forretas e os ébrios se instalavam nos camarotes feitos com varolas de eucalipto. Porém, e voltando ao Cine-Ribatejo, quando o filme versava cow-boys e outras aventuras, em que metia "porrada de criar bicho", as filas A; B e C estavam sempre reservadas para um grupo de maduros de Vila Chã de Ourique. Era ali, mais perto dos tiros, socos e pontapés que eles se sentiam bem, como se tudo aquilo fosse real, e eles próprios os protagonistas do filme.

Em rapaz, ainda vi lá alguns filmes, não muitos, porque a féria já tinha ido para consumo caseiro e a semanada era curta. Contudo, dentro do panorama concelhio, aquilo era  muito bom.
Nesses remotos tempos, houve alguns cinéfilos de Vale da Pinta que eram fiéis frequentadores do, agora homenageado, Cine-Ribatejo. Lembro-me de alguns, da Velha Guarda, como o Afonso Narciso Pereira, o Joaquim Glória Caria, o Xico Espanhol, e o Mártir-Santo; de gente mais precoce, havia o "Judas", o João "Toucinho" e o Vítor da Sezaltina.
Não raras vezes, alguns daqueles serôdios, distraídos, "enganavam-se" na porta, e até na rua, indo aportar à Rua da República, em vez de caminharem até à Rua 5 de Outubro, onde ficava o Cinema. Isto é, trocavam o Cine-Ribatejo pela Adega do Miranda. Como se adivinha, o "filme" aqui era outro: enquanto o do Cine-Ribatejo metia Dean Martin e Scotch Whiskey, este metia Afonso & C. ªªa, mais o saudável carrascão tinto, de 14º ou mais, made in Cartaxo.
Foi bom ter existido o Cine-Ribatejo. 

Nota: Por curiosidade, em substituição do Cine-Ribatejo, e no mesmo espaço geométrico, foi edificado o Centro Cultural do Cartaxo. Este, construído pela empresa Teixeira Duarte, S.A. , onde eu era colaborador.