
Que grande novidade! São tugas!...
Embora os sistemas não sejam exatamente iguais, a fraude está bem patente em qualquer deles. E, ao que parece, sempre com atores portugueses no elenco.
Segundo o calendário Gregoriano (o nosso), corriam os anos de 1976, 1977 e 1978, enquanto por terras do Reino de Marrocos, e segundo o calendário muçulmano, se assinalavam os correspondentes anos de 1398, 1399 e 1400. E foi, precisamente, no nosso ano de 1976 que as Construções Técnicas foram de abalada até Marrocos Oriental, para aí, a uns 40 kms da cidade de Oujda, iniciarem a construção de uma gigantesca fábrica de cimento. Era a Cimenterie de l'Oriental. Ainda hoje - e durante muitas mais décadas - quem viajar pela EN 6, entre Oujda e El Aioun, poderá admirar aqueles esbeltos edifícios fabris que, no dizer da empresa inglesa (Oscar Faber & Partners), projetistas e fiscais da construção do empreendimento, era uma relíquia "perdida" no meio do planalto desértico com vista para o médio Atlas.
O número que vou considerar, não sendo fidedigno não andará muito longe da realidade, se vos disser que neste empreendimento trabalharam cerca de 1500 pessoas, sendo que, cerca de 700 eram portuguesas. Como os portugueses eram muitos, as falcatruas e o oportunismo tinham que, de modo percentual, acompanhar o vasto lote lusitano. Então, além dos sornas, que para lá foram enviados pela Sede, depois de terem passado através das largas malhas da triagem, em que uma grande parte nunca tinha visto uma obra, nem ao longe, e passavam grande parte do tempo nas camaratas, fingindo-se doentes, também os xico-espertos dos semi-analfabetos e os de todo iletrados, vislumbraram um método que, a troco de uns 10 ou 20 dirhams, - conforme os casos - conseguiriam "tirar" a "permis de conduire".
Como é que a coisa funcionava? Como ninguém sabia uma única palavra de francês - e muito menos de árabe - a resposta aos questionários orais apresentados pelas entidades marroquinas, era dada por um ou dois intérpretes portugueses, cada qual em sua sessão. Lembro-me do Vieira e do Andrade e Silva, que, além de saberem à brava do Código de Estrada, também dominavam, com à-vontade, a língua de Victor Hugo. Um deles, o Vieira, pela sua vivência em Oujda, onde, há mais de vinte e cinco anos, era empregado num armazém de materiais de construção, até escrevia e falava árabe.
E era assim: a pergunta saía da boca do agente marroquino; o intérprete perguntava, o aluno não sabia, mas, como o esquema já tinha sido ensaiado, este nem sequer precisava de acenar com a cabeça, se sim, não ou talvez, pois que, ali ao lado, se perfilava a sua bengala. E insistia o inquiridor marroquino: - "Que ce qu'il dit?" - ao que o sapiente intérprete, depois de ouvir uma qualquer asneirada por parte do examinando, respondia limpinho, a contento, à questão formulada.
Tenho ideia de que não houve cão nem gato - a maioria dos quais nem a terceira classe tinha - que não tivesse saído de Marrocos com a cartinha na lapela. E era assim que eles, quando, depois, vinham a Portugal, na sua nova "voiture", se apresentavam aos familiares e vizinhos, fazendo-os crer que, aquilo do tirar a carta num país estrangeiro, ainda por cima árabe, em que as letras mais parecem enguias entrelaçadas, não era para qualquer um. Tinha que ser um fulano possuidor de uma capacidade acima da média, como eles, para o conseguir.
Na linha do português de então, a continuidade do portuga de agora. Duplo ou Sósia, que importa? São atores portugueses que, em termos de maestria, pedem meças aos demais. E mai nada!