O Cine-Ribatejo foi, durante décadas, a única Sala de Cinema digna desse nome na região do Cartaxo.
Do que me lembro, nos anos 40 e 50 do século XX - e só quando o rei fazia anos - lá ia uma fitazita ambulante a Pontével, a Vale da Pinta ou à Ereira, mas, quase sempre, eram filmes de películas de refugo, riscadas e desgastadas pelo tempo. A começar pelas pobres condições acústicas e de conforto das salas, e a acabar nas "cordas" dependuradas no "pano" (ecran), tudo era mau. Se ao menos fosse num dos "emblemáticos" Cinemas de Lisboa, como o "Piolho", o "Galo", o "Arco Bandeira" ou o Olímpia, ainda a malta podia expressar-se e mandar o projecionista enrolar a "corda", meter a "corda" no saco, mas em Vale da Pinta isso era de todo improvável. Seria, na melhor das hipóteses, excomungado pela sociedade da aldeia, porque, se as coisas descambassem para o pior, ainda podia levar um "enxerto" de porrada no lombo, por se ter armado em Xico-esperto. Aqui, só se podia, e devia, aplaudir, mas nunca assobiar e, muito menos, patear. No entanto, era o que havia.
Eram meses e meses de espera pelo "Home do Cinema." Este chegava pelo início da tarde, dava duas voltas à terra, de carripana artilhada na sua capota com um bojudo altifalante, de cujo interior jorrava uma torrente de algaraviadas que ninguém percebia nada. Arrastava a miudagem (eu incluído) atrás dele e, mesmo que algum de nós (putos) não fôssemos à sessão, parte da festa já estava feita.
O Cine-Ribatejo era outra "loiça": era uma Sala concebida para o bom espetáculo. Os "porteiros" Manecas e Manuel Cebola eram figuras carismáticas, que obliteravam os bilhetes mas não conduziam as pessoas aos lugares, já que, por ali, toda a gente conhecia e tratava a sala por tu.
Ao contrário do que a lógica - e o oftalmologista - recomendava, nas aldeias vizinhas os lugares mais caros eram nas filas da frente. Era um "luxo" tal, que até as pessoas que iriam usufruir destas filas tinham que levar cadeiras de casa. Nas traseiras, como a 2ª Plateia, era mais a malta remediada, sendo que os unhas de fome, os forretas e os ébrios se instalavam nos camarotes feitos com varolas de eucalipto. Porém, e voltando ao Cine-Ribatejo, quando o filme versava cow-boys e outras aventuras, em que metia "porrada de criar bicho", as filas A; B e C estavam sempre reservadas para um grupo de maduros de Vila Chã de Ourique. Era ali, mais perto dos tiros, socos e pontapés que eles se sentiam bem, como se tudo aquilo fosse real, e eles próprios os protagonistas do filme.
Em rapaz, ainda vi lá alguns filmes, não muitos, porque a féria já tinha ido para consumo caseiro e a semanada era curta. Contudo, dentro do panorama concelhio, aquilo era muito bom.
Nesses remotos tempos, houve alguns cinéfilos de Vale da Pinta que eram fiéis frequentadores do, agora homenageado, Cine-Ribatejo. Lembro-me de alguns, da Velha Guarda, como o Afonso Narciso Pereira, o Joaquim Glória Caria, o Xico Espanhol, e o Mártir-Santo; de gente mais precoce, havia o "Judas", o João "Toucinho" e o Vítor da Sezaltina.
Não raras vezes, alguns daqueles serôdios, distraídos, "enganavam-se" na porta, e até na rua, indo aportar à Rua da República, em vez de caminharem até à Rua 5 de Outubro, onde ficava o Cinema. Isto é, trocavam o Cine-Ribatejo pela Adega do Miranda. Como se adivinha, o "filme" aqui era outro: enquanto o do Cine-Ribatejo metia Dean Martin e Scotch Whiskey, este metia Afonso & C. ªªa, mais o saudável carrascão tinto, de 14º ou mais, made in Cartaxo.
Foi bom ter existido o Cine-Ribatejo.
Nota: Por curiosidade, em substituição do Cine-Ribatejo, e no mesmo espaço geométrico, foi edificado o Centro Cultural do Cartaxo. Este, construído pela empresa Teixeira Duarte, S.A. , onde eu era colaborador.