Cenas típicas nas Construções Técnicas (XXX)
Desde sempre que a tendência do tuga, em especial no caso vertente a malta das obras, foi a de encetar casos e cenas que alimentassem a risota no seio de grupo, mesmo que para isso tivesse que pregar umas partidas ao parceiro. Também, se assim não fosse, nem havia a indispensável alegria no trabalho. Se a defunta sigla FNAT expressava isso mesmo, Alegria no Trabalho, mas o Zé, ganhando mal, não lhe achava grande graça, então seria nas obras que, dando asas à imaginação, engendrava os mais estafafúrdios esquemas, só para se divertir.
A fim de ilustrar uma das tais cenas, vou proceder à narrativa que teve como ator principal o encarregado de 2ª, o Patrício, da Divisão de Fundações, na obra de construção de um dos molhes do Porto de Leixões, isto na década de 70.
Era verão, o sol abrasava, e o pessoal, hidratando-se, bebia, bebia... Uns só bebiam água, outros apenas cerveja, e até havia aqueles que faziam mistura dentro da barriga. O encarregado de 1ª, Jorge Filipe, tal como os demais, também bebia. Bebia, mas era à sombra no bar da APDL. Este, quando regressava à zona de obra, resguardava-se da canícula, permanecendo na barraca da frente de trabalho, já que a mesma se encontrava equipada com uma grande ventoínha. O nosso amigo Patrício, a dirigir a cravação de larsens no topo poente, e que, tal como o seu pessoal, só tinha um rudimentar e nauseabundo urinol a 300 m do seu local de trabalho, achava que, também ele, era filho de Deus e, por isso, lhe assistia o direito de, no mínimo, ter o privilégio de mijar mais perto e à sombra. Mas sombra, sombra... só apenas atrás da barraca do Jorge Filipe, já que o Patrício, além de ser um inveterado forreta e por nada deste mundo gastava um chavo com a bebida, desculpava-se argumentando que lhe ficava mal abandonar a sua zona de trabalho, dando um péssimo exemplo aos seus subordinados para ir ao bar. Assim sendo, o seu ritmo mictório teria que ser sincronizado, já que só na ausência do Jorge Filipe ele faria a sua mijinha na apetecível sombrinha das traseiras da barraca.
A cada dia que passava, o cheirete a urina mais se intensificava. De tal modo, que o encarregado Filipe começou a desconfiar que algo de anormal se estava a passar por ali, bem perto das suas barbas, salvo seja. Investigou e concluiu que aquela espécie de nitreira era causada pelas operações mictórias levadas a cabo pelo Patrício e seus acólitos.
Mas o Jorge Filipe, à boa maneira do pessoal das obras, não se desmanchou nem deu à dica, antes preparou um esquema para, não só acabar com aquele despudorado abuso mas, também, para se divertir com o desfecho que, previa, seria para rir a bandeiras despregadas. Então, no fim do turno de trabalho, esperou que o pessoal saísse e arranjou um cabo elétrico que descarnou na ponta e sepultou sob a terra, de modo dissimulado, ligado no interior da barraca.
O Jorge Filipe, manhoso, colocou-se num ponto estratégico, junto ao tal urinol manhoso, que ninguém utilizava, e observando verificou com agrado que o primeiro fulano a verter águas naquela manhã foi, precisamente, o nosso amigo Patrício.
Aos pulos e aos berros, de dor e pânico, o mijão-mor já pensava que não voltava a mijar, não tanto atrás da barraca, mas na sua vida.
Naqueles velhos tempos, tivesse o cineasta Manuel de Oliveira sabido disto e teria feito um belo filme.