sábado, 7 de setembro de 2013

JOSÉ CEITIL - de meu Recruta, a Comissário TAP e... Escritor



(Um jato T33, da BA2)






 
 Soube-o hoje, porque não morri ontem...
 Ando cá eu, andamos cá nós por tantos e infindáveis lugares e, caso não se vá desta para outra assim tão cedo,  chega-se à conclusão, por isto e mais aquilo, de que nunca chegamos a dominar completamente a cena. Muito se trabalhou (muitos), muito se estudou (poucos) e já alguma coisa se viveu (alguns), mas quando estamos prestes a entrar na reta final, vamos tendo a real noção de que "quanto mais viver, mais aprender". Se, por exemplo, eu me tivesse finado ontem, não tinha sabido nunca das vivências e predicados de alguém que, de repente,  para mim, deixou de ser simplesmente um meu ex-recruta, como bem escrevi no meu VOLUME II, para se tornar numa figura pública que, segundo soube hoje, através de entrevista na RTP2. Foi, precisamente, o que aconteceu com o rapaz de Vila Franca de Xira, José Ceitil de seu nome, que, depois de concluída a sua atividade profissional, como assistente de bordo da TAP, se dedicou à ingrata mas gratificante tarefa da escrita.
Não sou de preconceitos ou manias, mas não tenho por hábito ligar o televisor da cozinha na hora do almoço. É refeição, é refeição. Basta já as "secas" e arrelias que se sofre por ver/ouvir tanta desgraça naqueles malditos canais televisivos durante os tempos extra comezaina, quanto mais estar a expor-me aos perigos de engolir algum osso ou espinha, contrair um monte de náuseas ou, talvez ainda pior, sujeitar-me a sofrer uma valente indigestão. É que a impaciência para ouvir tanto charlatão e as suas abomináveis "charlatices" é tanta, que, parte das vezes, só me apetece atirar com a peça mais letal, que estiver mais à mão, à "tromba" daquele inocente televisor, que não tem culpa que, algumas mentes depravadas, o tenham inundado de imundices. Hoje, porém, mal tinha acabado de me sentar, e, nem por que sim nem por que não, deu-me na veneta de clicar o ON. Estava auto sintonizado na RTP2. Aqui decorria o programa "Mar de Letras", com o jornalista Mário Carneiro, que conduzia uma entrevista com o José Ceitil.
Como seria de esperar, não conheci logo o entrevistado. Para mim, era qualquer fulano, um rapaz p'raí da minha idade, que fora convidado para conceder aquela entrevista, que falava de escritores, livros e livreiros, ao canal 2 da RTP. É que, pese embora o aspeto capilar ser tão raso como o que conheci em 1965, eles apresentavam a sua (grande) diferença: é que o antigo era rés, mas abundante, ao passo que o atual era raso e raro. Mas, como falavam de literatura, estórias e histórias e edição de livros, comecei a prestar mais atenção ao tema. Foi quando ouvi, da boca do jornalista, e vi escrito na capa de um dos livros, o nome José Ceitil, que tive um lampejo de retrospetiva memorial, que me transportou para mui recuados tempos. Remeteram-me para a Base Aérea nº 2, da Ota, e para uma recruta que dei a um dos pelotões da 1ª Esquadrilha, onde, entre umas quatro dezenas de maçaricos, figurava o soldado-aluno (mais tarde Especialista), Zé Ceitil. Ele, com 18 anos, já jogava na 1ª categoria da U. D. Vilafranquense. Contudo, nem só de Ceitil se faz esta estória de tropa, já que o cartaxeiro Avelar Marques também me fora confiado como discípulo. A este, tive eu que ajudar, alombando, por muitas vezes, com a sua espingarda, quando a certa altura de um qualquer cross, o Avelar já nem podia com as botas, quanto mais com a espingarda...
Daquela recruta, se bem que em pelotões diferentes, também fizeram parte mais alguns rapazes do concelho do Cartaxo. Dos que me lembro, eram: o Domingos Jarego; O Carlos Marecos; o Veríssimo; o Ludgero; o Acácio, da Lapa; o Chico "Maluco", de Pontével, e o César, que, sendo de Lisboa, tinha raízes em Vale da Pinta.
Retornando aos livros, fiquei agora a saber que o Zé Ceitil já tem três ou quatro livros publicados, o que muito me apraz.
Parabéns, Zé Ceitil! E, o que mais te posso desejar, é que continues nessa senda.
Um abraço.

a) José Caria Luís

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Cena XII - Lisnave, 1969 - O Santos e o Turza



- Dois dos excêntricos –

Esta obra, da Doca Seca nº 10, nos Estaleiros Navais da Lisnave, na Margueira, teve como topógrafo, na sua fase inicial, o Bento Paulino, porém, devido à sua saída para a obra do Hangar 6 da TAP, no Aeroporto de Lisboa, entrou, em sua substituição, o Turza Ferreira. Este nem era mau diabo, mas quando lhe falavam de certas pessoas de quem ele não gostava , ia aos arames. Em certas ocasiões, tinha tais ataques de fúria que dir-se-ia que o homem corria sérios riscos de se passar deste para o outro mundo. E não era preciso grande provocação para o afinar; para isso, bastava, por exemplo, e a propósito de nada, falarem-lhe no nome do Miguel Temudo ou no do engº Cabrita. A sua tez ruborizava de tal jeito, que mais parecia que as bochechas poderiam rebentar a qualquer momento.

Eu conhecia-o da obra do Carregado, mas mal. Nunca tive qualquer ligação de serviço com ele, nem fazia a mínima ideia de quais eram as taras do tipo, mas agora, na Lisnave, com alguns meses de obra pela frente, é que eu iria saber quem era, afinal, o Turza Ferreira. E num dia de bastante sossego, em que o encarregado Silva não foi para o nosso escritório fazer sala ou discutir com o fiscal, tivemos a agradável visita do já conhecido controlador Feliciano Santos que, agora, trabalhava na nossa obra da Siderurgia Nacional, no Seixal. Não me lembro a que propósito ele terá ido à Margueira, mas, para o caso, isso também não é relevante.

Cumprimentos para cá, salamaleques para lá, e eis que entra na sala, vindo da obra, o nosso amigo Turza. Com a chegada do topógrafo, continuaram os abraços, mas desta vez com, apenas, dois protagonistas: o Santos e o Turza. O Feliciano Santos, sabendo dos fracos do colega, tratou de engendrar um esquema que visasse pô-lo em polvorosa. No entanto, para que a conversa parecesse séria e não desse aso a que o Turza desconfiasse da tramoia, o Santos falou comigo de modo a que o outro se sentisse à margem da conversa. E disse, mais ou menos isto:

— Ó Zé Luís, o Temudo está a organizar uma espécie de biblioteca de controlo de operações e precisa que você lhe arranje os dados desta obra: os que considere mais importantes.

 E, como se não bastasse, de modo a provocar o Turza, acrescentou:

— Aquele tipo, o Miguel Temudo, é um profissional com uma capacidade extraordinária. O gajo tem ideias fabulosas! – reforçou o Santos.

O Turza, que permaneceu algum tempo sentado ao estirador, ao ouvir os elogios e a franca apologia do seu inimigo figadal, deu dois saltos, empertigou-se, ficou vermelho e reagiu, assim:

— O quê? O que é que você está para aí a dizer? O Temudo é um génio? Esse gajo é a maior nódoa que alguma vez entrou nas Construções Técnicas! Um sabujo de um lambe-botas, é o que ele é!

O Santos, com a cena controlada, ainda iria espicaçar mais um pouco. E prosseguindo na senda de elogios ao seu chefe, frisou:

— Ó Turza, eu não sei que razões terá você para sentir tal animosidade contra o Temudo. Para mais, sendo eu amigo dos dois, custa-me vê-los assim, de costas voltadas, a digladiarem-se como ferozes inimigos. Vai ver que, um destes dias, ainda vos reúno aí numa almoçarada e obrigo-os a fazer as pazes.

Aqui é que o Santos estragou tudo, conforme pretendia. O seu amigo, ao ouvir tais barbaridades, dava pulos que nem macaco. O homem espumava pelos cantos da boca e, ao mesmo tempo que cerrava os punhos, respondia ao Santos, nestes termos:

— Pazes com esse gajo? Eu quero é vê-lo morto! Você ainda tem lata para gabar esse estafermo? Um génio? Ele, antes de vir para as Construções Técnicas, era empregado dos CTT, em Santarém. Sabe qual era a sua função? Era a de estar sentado à boca de um guiché, com a língua de fora, onde os clientes molhavam os selos que, depois, colavam nos envelopes.

O Feliciano Santos, longe de estar satisfeito com a cena, ainda atirou com mais esta, que sabia ir ferir, ainda mais, o seu interlocutor:

 — Mas olhe que o engº Cabrita gosta muito do Temudo!

Pior foi a reação do Turza Ferreira, que atirou:

 — O engº Cabrita? Esse é mesmo o chefe da pandilha! Não há nesta empresa, engraxador que não esteja debaixo das asas do engº Cabrita. – e sem se deter:

— Esses gajos formam uma roda, e só lá entram os bajuladores com provas dadas. Alguns bem tentam, como você! – insistiu o Turza.

— Eu? - questionou o Santos.

— Sim, você! Quem defende e elogia esses dois trastes, só pode estar aos repelões e a puxar saco, no sentido de arranjar um qualquer buraco que lhe dê entrada nessa sinistra roda.

E finaliza o Santos, com cinismo:

 — Eu não esperava que você me tivesse nessa conta!

 — Ah não? Se eles são os seus modelos, os seus favoritos, então você é tão bom como eles.

O Feliciano já tinha chegado onde queria, mas eu e o Sequeira, que não estávamos a par daquelas rábulas, disputas e rivalidades, ainda nos divertimos, se bem que de modo comedido, não fosse o homem desconfiar que havia por ali complô.

O Turza Ferreira, depois de tanto pular, espumar e, por duas vezes, ter atirado com o capacete ao chão, bateu com a porta e rumou à obra. Julgo eu que o terá feito com o fito de apanhar um pouco de ar fresco, já que, com aquela irritação, não teria condições para operar, com fiabilidade, uma simples fita métrica, quanto mais um taqueómetro...

Entretanto, o Santos, depois de semear aquela onda de mal-estar em casa dos outros, "desalvorava", de fininho, para a Siderurgia, sendo que eu e o Sequeira é que ficávamos com o ónus de ter que aturar a ira do Turza durante o resto do dia.
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Extrato de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", VOL.II