Esta
obra, da Doca Seca nº 10, nos Estaleiros Navais da Lisnave, na Margueira, teve como topógrafo, na sua fase inicial, o Bento Paulino, porém, devido à
sua saída para a obra do Hangar 6 da TAP, no Aeroporto de Lisboa, entrou, em sua substituição, o Turza
Ferreira. Este nem era mau diabo, mas quando lhe falavam de certas pessoas de
quem ele não gostava , ia aos arames. Em
certas ocasiões, tinha tais ataques de fúria que dir-se-ia que o homem corria
sérios riscos de se passar deste para o outro mundo. E não era preciso grande
provocação para o afinar; para isso, bastava, por exemplo, e a propósito de
nada, falarem-lhe no nome do Miguel Temudo ou no do engº Cabrita. A sua tez
ruborizava de tal jeito, que mais parecia que as bochechas poderiam rebentar a
qualquer momento.
Eu
conhecia-o da obra do Carregado, mas mal. Nunca tive qualquer ligação de
serviço com ele, nem fazia a mínima ideia de quais eram as taras do tipo, mas agora,
na Lisnave, com alguns meses de obra pela frente, é que eu iria saber quem era,
afinal, o Turza Ferreira. E num dia de bastante sossego, em que o encarregado
Silva não foi para o nosso escritório fazer sala ou discutir com o fiscal,
tivemos a agradável visita do já conhecido controlador Feliciano Santos que,
agora, trabalhava na nossa obra da Siderurgia Nacional, no Seixal. Não me
lembro a que propósito ele terá ido à Margueira, mas, para o caso, isso também
não é relevante.
Cumprimentos
para cá, salamaleques para lá, e eis que entra na sala, vindo da obra, o nosso
amigo Turza. Com a chegada do topógrafo, continuaram os abraços, mas desta vez
com, apenas, dois protagonistas: o Santos e o Turza. O Feliciano Santos,
sabendo dos fracos do colega, tratou de engendrar um esquema que visasse pô-lo
em polvorosa. No entanto, para que a conversa parecesse séria e não desse aso a
que o Turza desconfiasse da tramoia, o Santos falou comigo de modo a que o
outro se sentisse à margem da conversa. E disse, mais ou menos isto:
—
Ó Zé Luís, o Temudo está a organizar uma espécie de biblioteca de controlo de
operações e precisa que você lhe arranje os dados desta obra: os que considere
mais importantes.
E, como se não bastasse, de modo a provocar o
Turza, acrescentou:
—
Aquele tipo, o Miguel Temudo, é um profissional com uma capacidade
extraordinária. O gajo tem ideias
fabulosas! – reforçou o Santos.
O
Turza, que permaneceu algum tempo sentado ao estirador, ao ouvir os elogios e a
franca apologia do seu inimigo figadal, deu dois saltos, empertigou-se, ficou
vermelho e reagiu, assim:
—
O quê? O que é que você está para aí a dizer? O Temudo é um génio? Esse gajo é a maior nódoa que alguma vez
entrou nas Construções Técnicas! Um sabujo de um lambe-botas, é o que ele é!
O
Santos, com a cena controlada, ainda iria espicaçar mais um pouco. E
prosseguindo na senda de elogios ao seu chefe, frisou:
—
Ó Turza, eu não sei que razões terá você para sentir tal animosidade contra o
Temudo. Para mais, sendo eu amigo dos dois, custa-me vê-los assim, de costas
voltadas, a digladiarem-se como ferozes inimigos. Vai ver que, um destes dias,
ainda vos reúno aí numa almoçarada e obrigo-os a fazer as pazes.
Aqui
é que o Santos estragou tudo, conforme pretendia. O seu amigo, ao ouvir tais barbaridades, dava pulos que nem macaco.
O homem espumava pelos cantos da boca e, ao mesmo tempo que cerrava os punhos,
respondia ao Santos, nestes termos:
—
Pazes com esse gajo? Eu quero é vê-lo
morto! Você ainda tem lata para gabar esse estafermo? Um génio? Ele, antes de
vir para as Construções Técnicas, era empregado dos CTT, em Santarém. Sabe qual
era a sua função? Era a de estar sentado à boca de um guiché, com a língua de
fora, onde os clientes molhavam os selos que, depois, colavam nos envelopes.
O
Feliciano Santos, longe de estar satisfeito com a cena, ainda atirou com mais esta,
que sabia ir ferir, ainda mais, o seu interlocutor:
— Mas olhe que o engº Cabrita gosta muito do
Temudo!
Pior
foi a reação do Turza Ferreira, que atirou:
— O engº Cabrita? Esse é mesmo o chefe da
pandilha! Não há nesta empresa, engraxador que não esteja debaixo das asas do
engº Cabrita. – e sem se deter:
—
Esses gajos formam uma roda, e só lá entram os bajuladores com provas dadas.
Alguns bem tentam, como você! – insistiu o Turza.
—
Eu? - questionou o Santos.
—
Sim, você! Quem defende e elogia esses dois trastes, só pode estar aos repelões
e a puxar saco, no sentido de arranjar um qualquer buraco que lhe dê entrada
nessa sinistra roda.
E
finaliza o Santos, com cinismo:
— Eu não esperava que você me tivesse nessa
conta!
— Ah não? Se eles são os seus modelos, os seus
favoritos, então você é tão bom como eles.
O
Feliciano já tinha chegado onde queria, mas eu e o Sequeira, que não estávamos
a par daquelas rábulas, disputas e rivalidades, ainda nos divertimos, se bem que
de modo comedido, não fosse o homem desconfiar que havia por ali complô.
O
Turza Ferreira, depois de tanto pular, espumar e, por duas vezes, ter atirado com o capacete ao chão, bateu com a porta e rumou
à obra. Julgo eu que o terá feito com o fito de apanhar um pouco de ar fresco, já que, com aquela
irritação, não teria condições para operar, com fiabilidade, uma simples fita
métrica, quanto mais um taqueómetro...
Entretanto, o Santos, depois de semear aquela onda de mal-estar em casa dos outros, "desalvorava", de fininho, para a Siderurgia, sendo que eu e o Sequeira é que ficávamos com o ónus de ter que aturar a ira do Turza durante o resto do dia.
Entretanto, o Santos, depois de semear aquela onda de mal-estar em casa dos outros, "desalvorava", de fininho, para a Siderurgia, sendo que eu e o Sequeira é que ficávamos com o ónus de ter que aturar a ira do Turza durante o resto do dia.
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Extrato de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", VOL.II
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