O
já nosso bem conhecido Artur Santos, também conhecido pelo Muleta Negra, tinha nesta obra, além da função de angariador de
mão-de-obra, a de zelar pelo funcionamento das instalações do pessoal. Neste
período conturbado, ele nunca teve medo das ameaças da Comissão e enfrentava-a
mesmo, quando a isso era obrigado. Nunca escondeu a sua simpatia pelo PPD de Sá
Carneiro e ameaçava os comissionistas,
dizendo: “se alguma vez me tentarem sanear, garanto que lhes limpo o sebo a
todos!”
Bem,
isto para dizer que eu, tirando partido da situação, resolvi pregar uma partida
às duas partes, isto é, ao Santos e, indirectamente, aos que o perseguiam
ideologicamente. Para isso, redigi uma carta dirigida ao Muleta Negra, como sendo
escrita e remetida pelo Núcleo de Moscavide do PPD. Francamente, nem sabia se
existia algum centro político com aquele nome, mas, para o caso tanto fazia. A
intenção era arranjar maneira de dar ao Santos mais poderes e confiança, que
o motivassem nos combates verbais que travava, amiudadas vezes, com os inimigos
de ocasião.
Peguei
em letras de borracha, daquelas que, na altura, se usavam para fazer legendas
em desenhos e, com elas, fiz uma composição que dizia:
PARTIDO POPULAR DEMOCRÁTICO
- Núcleo de Moscavide
–
Coloquei o endereço, em nome do Artur Santos, selei
o envelope, dirigi-o para a obra da Cimpor, em Alhandra e, na ida para o ISEL,
desviei para a estrada de Moscavide, onde o meti num marco de correio. Além de mim próprio, quem mais sabia disto era
o meu colega Dionísio Pinheiro. E, dois dias depois, lá chegou a missiva à posse
do Santos. E sabia que ela chegara, porque o nosso amigo não esperou muito
tempo para dar largas ao seu contentamento, correndo a mostrá-la a todos os que
ele considerava serem influentes na manobra política da obra. Para isso, caminhou
até ao Armazém e foi dá-la a ler ao chefe da Comissão, Manuel Simão. Depois,
seguiu para o escritório e, aqui, além de ter mostrado o conteúdo da carta a
mim e ao Dionísio, passou pela Sala de Desenho e fez o mesmo aos que lá trabalhavam.
Não satisfeito, foi mostrá-la ao diretor da obra – na altura o engº Amaral – e
percorreu parte da obra dando conhecimento daquele facto que, para ele, era
primordial no confronto com os comunistas.
No momento em que o Santos me
entregou a carta para ler, confesso que senti uns calafrios. Pensei, e disse ao
Dionísio:
— Tu queres ver que este gajo é capaz de ir ao PPD de Moscavide
para agradecer os elogios de que é alvo na carta e, ao mesmo tempo, mostrá-la
àqueles PPDs!? Isto, admitindo que existe mesmo aquele Núcleo… mas cheira-me
que, mais cedo ou mais tarde, a bronca vai estalar.
O meu colega ria e ria, mas eu é que
já não achava graça à cena. Deixei passar mais um ou dois dias, para não
quebrar o sonho do Muleta Negra, e achando que era altura de
esclarecer o caso, chamei o Santos ao escritório e, só com ele naquele espaço,
desfiz o tabu. Como era de esperar, o nosso amigo não acreditou que a carta
fosse falsa. Mas perante a garantia de como e o porquê da mesma, um bocado a
custo lá se convenceu. Pedi-lhe que queimasse a carta, para que não viéssemos a
ter problemas com o PPD, mas ele, pensou melhor e propôs-me:
— Sr. Caria Luís, agora sou eu que lhe peço para não
divulgar a falsidade da carta. É que assim, sempre que os comunistas me chateiem,
eu mostro-lhes que posso fazer-lhes frente.
A obra estava perto da sua fase
final. Desde a hora em que saí para outro local de trabalho - que, no caso, era Marrocos - nunca mais vi o
Muleta Negra, o tal PPD que não suportava comunistas.
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Extrato de "DEGRAUS E MARCOS DA VIDA", Vol. II
Extrato de "DEGRAUS E MARCOS DA VIDA", Vol. II