Cena IV - Nas C. TÉCNICAS – Carregado (1967)

- Mas pera… não são peras -
Que
numa obra gigantesca como esta, foram aplicadas grandes quantidades de cofragem,
não será grande novidade, agora não zelar pelo seu manuseamento e conservação,
é que não cabe na cabeça de ninguém. Quando se orçamentavam e estudavam os
moldes de madeira para tal fim, contava-se, para aqueles, com um determinado
número de aplicações de modo a rentabilizar cada peça e conjunto. Porém, devido
a uma confusão havida com uma troca de pera e peras, aquele desiderato não foi
observado.
Para
fazer descofragens, recorria-se, sempre que possível, a equipas de betonagem,
quando estas tinham os normais intervalos entre aquelas tarefas. Desta vez,
aquela operação estava a ser desempenhada pela equipa do capataz Raul Baldaia.
A altura entre as paredes a descofrar e o chão era razoável, talvez uns dez
metros, o que, numa situação destas, mais que aconselhável era premente que os
moldes fossem descidos à grua.
O
capataz, que estava no chão, ia dar as suas ordens no sentido de começar as
tarefas. Digo as tarefas, porque metade da equipa estava no interior para descofrar
um teto de tábuas velhas, já com mais de três aplicações, a outra metade estava
por fora, na fachada, para descofrar vigas e pilares, feitas com moldes novos.
O
Baldaia, no sentido de fazer lembrar aos seus subordinados que era ele quem mandava
ali, gritou para um certo fulano, assim:
—
Ó das
peras, bota abaixo! Bota p’ró chão, carago!
Um
pedreiro, homem do Norte, que usava pera e estava na descofragem pelo exterior,
largou os moldes de imediato, que caíram da altura de dez metros, tendo-se desfeito
no chão, em sarrafos. Imagine-se, pois, qual não foi o espanto do capataz quando
viu painéis e mais painéis, praticamente novos, a caírem, que nem tordos, no meio do
chão…
Então, para pôr cobro àquela razia, e furioso
pelo que considerou ser um autêntico crime de lesa-empresa, o Baldaia berrou para
este peras, dizendo:
—
Eiiiiia! O que é que estais a fazer, ó seu grande filho da p***?
O
pedreiro da pera, que tinha interpretado a ordem dada como válida, retorquiu:
—
Mas então, vossemecê não me disse para botar abaixo, carago?
Diz
o Baldaia:
—
Não era contigo, carago. Era com o gajo do saco das peras!...
Nestes
meios das obras, como noutros, se calhar, há sempre uns engraxadores que, para
estarem nas boas graças do chefe, vão - lhe dando umas coisinhas, umas prendas.
Ali na zona do Carregado e Alenquer, devido ao facto de muita gente ter um
bocadito de horta ou um pomar, tinham o hábito de ofertar fruta, especialmente
aos chefes. Mas este operário, para que não o viessem a acusar de engraxador,
tinha feito a coisa no máximo segredo. E não fora o incidente dos painéis e
ninguém saberia que ele era o bajulador das peras.
Conclusão:
pera,
não são peras, e, por isso, devido ao trocadilho, além do prejuízo dos
moldes que as Construções Técnicas tiveram que suportar, também se descobriu que
havia no seio da equipa o engraxador das peras. De um valente saco de peras.
Obs. Extraído do VOL. II de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA"
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