Dois
gabinetes depois daquele, num outro em tudo idêntico ao nosso, laborava um
outro grupo, chefiado pelo Rogério Feio. Eram todos desenhadores que, tal como
eu, tinham vindo de Marrocos. Estavam a desenvolver o projeto da III Linha
Fabril da Cimpor, em Souselas.
Se
a memória não me falha, eram eles: o José Brincano, o Artur Cosme, o Manuel Pedroso,
o António Cartaxo e o Francisco Peres. Naquela ala, os gabinetes de duplos envidraçados,
suportados por baias de mogno, de 1 metro de altura, davam para, através deles,
vislumbrar todo o enfiamento daquelas salas, cujas vistas para o Tejo e
Cristo-Rei, deslumbravam. Foi, portanto, devido ao acesso visual que tinha aos
outros gabinetes que, em certa ocasião, me apercebi de uma grande galhofa entre
aquela malta mas, como não dava para ouvir, não sabia o que de bom ou mau lá
estaria a acontecer. Pelo que se podia ver, alguns riam a bom rir, mas também
havia outros que choravam. A curiosidade apossava-se de mim e, para a
satisfazer, não tive outro remédio senão deslocar-me até à vizinhança e
bisbilhotar o que motivara aquele festival misto de gargalhada e choradeira.
Mal
entrei, e pelo que vi, o festival era todo ele de risada, só que alguns dos
comparsas, de tanto rir, acabavam a chorar. Então, o que esteve na origem
daquilo que ditou aquele imbróglio foi isto:
Havia
na empresa um apontador de nome José Augusto. Mas esse facto nada teria de
transcendente, já que não era a única pessoa a laborar nas Construções Técnicas com tal nome. Na
categoria de capatazes e encarregados, que me lembre, havia dois, e na categoria de engenheiro, para não fugir á regra, também havia um
José Augusto: o engº José Augusto dos Santos. Até aqui tudo bem, tudo normal,
mas o que antes era um ambiente calmo, tranquilo, com apenas uma piada ou um
dichote pelo meio, iria transformar-se num arraial de autêntica galhofada.
E tudo nasceu com um simples telefonema.
Ao
toque do telefone, fez-se silêncio. O Peres foi atender.
E
disseram de lá:
—
Está? Daqui fala José Augusto!
E
responde o Peres:
—
Então,
ó cabrão, o que é que andas a fazer?
A
voz do outro lado do fio alterou-se substancialmente. E, com um misto de
curiosidade e indignação, perguntou:
—
Mas
quem é que está ao telefone?
—
Então
tu não me conheces, ó sacana? Ainda por cima, estás a disfarçar a voz! – comentou
o Peres.
O
outro ainda chegou a pensar tratar-se de algum cruzamento de linhas, o que na
altura era vulgar. E, meio na dúvida, voltou a insistir:
—
Bem,
há aqui qualquer confusão. Mas quem fala daí?
—
Ó
cabrão, tu não vês que é o Peres? – disse o Peres.
—
Ai
é o Peres? Pois daqui fala o engº José Augusto dos Santos! Quero
falar com o sr. Rogério Feio e, depois, vou aí, pessoalmente, falar consigo.
O
engº José Augusto dos Santos era um dos administradores (5%) das Construções
Técnicas e, na altura, teria uns sessenta anos de idade e muitos anos de
empresa.
Depois,
era a vez do Peres aguardar, nervoso q.b.
e em silêncio, pela chegada deste outro José Augusto, que estaria por aí a aparecer. E,
como se compreende, ele traria na manga um valente raspanete para doar ao bronco
do Francisco Peres, amigo do outro Zé Augusto, que não era engenheiro nem
Santos, mas apontador e Carneiro. José Augusto Carneiro, de seu nome completo.
Realmente, as amizades entre colaboradores das Construções Técnicas eram tão fortes, que até sugeriam tratamentos de choque, como, por exemplo, este aplicado pelo Peres ao suposto amigo José Augusto.
Realmente, as amizades entre colaboradores das Construções Técnicas eram tão fortes, que até sugeriam tratamentos de choque, como, por exemplo, este aplicado pelo Peres ao suposto amigo José Augusto.
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