terça-feira, 22 de outubro de 2013

Cena XVII - Havia mais Zés Augustos



- Havia mais Marias (José Augusto) na terra (empresa) -

Dois gabinetes depois daquele, num outro em tudo idêntico ao nosso, laborava um outro grupo, chefiado pelo Rogério Feio. Eram todos desenhadores que, tal como eu, tinham vindo de Marrocos. Estavam a desenvolver o projeto da III Linha Fabril da Cimpor, em Souselas.
Se a memória não me falha, eram eles: o José Brincano, o Artur Cosme, o Manuel Pedroso, o António Cartaxo e o Francisco Peres. Naquela ala, os gabinetes de duplos envidraçados, suportados por baias de mogno, de 1 metro de altura, davam para, através deles, vislumbrar todo o enfiamento daquelas salas, cujas vistas para o Tejo e Cristo-Rei, deslumbravam. Foi, portanto, devido ao acesso visual que tinha aos outros gabinetes que, em certa ocasião, me apercebi de uma grande galhofa entre aquela malta mas, como não dava para ouvir, não sabia o que de bom ou mau lá estaria a acontecer. Pelo que se podia ver, alguns riam a bom rir, mas também havia outros que choravam. A curiosidade apossava-se de mim e, para a satisfazer, não tive outro remédio senão deslocar-me até à vizinhança e bisbilhotar o que motivara aquele festival misto de gargalhada e choradeira.
Mal entrei, e pelo que vi, o festival era todo ele de risada, só que alguns dos comparsas, de tanto rir, acabavam a chorar. Então, o que esteve na origem daquilo que ditou aquele imbróglio foi isto:

Havia na empresa um apontador de nome José Augusto. Mas esse facto nada teria de transcendente, já que não era a única pessoa a laborar nas Construções Técnicas com tal nome. Na categoria de capatazes e encarregados, que me lembre, havia dois, e na categoria de engenheiro, para não fugir á regra, também havia um José Augusto: o engº José Augusto dos Santos. Até aqui tudo bem, tudo normal, mas o que antes era um ambiente calmo, tranquilo, com apenas uma piada ou um dichote pelo meio, iria transformar-se num arraial de autêntica galhofada. E tudo nasceu com um simples telefonema.
 
Ao toque do telefone, fez-se silêncio. O Peres foi atender.
            E disseram de lá:
— Está? Daqui fala José Augusto!
E responde o Peres:
Então, ó cabrão, o que é que andas a fazer?
A voz do outro lado do fio alterou-se substancialmente. E, com um misto de curiosidade e indignação, perguntou:
Mas quem é que está ao telefone?
Então tu não me conheces, ó sacana? Ainda por cima, estás a disfarçar a voz! – comentou o Peres.
O outro ainda chegou a pensar tratar-se de algum cruzamento de linhas, o que na altura era vulgar. E, meio na dúvida, voltou a insistir:
Bem, há aqui qualquer confusão. Mas quem fala daí?
Ó cabrão, tu não vês que é o Peres? – disse o Peres.
Ai é o Peres? Pois daqui fala o engº José Augusto dos Santos! Quero falar com o sr. Rogério Feio e, depois, vou aí, pessoalmente, falar consigo.

O engº José Augusto dos Santos era um dos administradores (5%) das Construções Técnicas e, na altura, teria uns sessenta anos de idade e muitos anos de empresa.
Depois, era a vez do Peres aguardar, nervoso q.b. e em silêncio, pela chegada deste outro José Augusto, que estaria por aí a aparecer. E, como se compreende, ele traria na manga um valente raspanete para doar ao bronco do Francisco Peres, amigo do outro Zé Augusto, que não era engenheiro nem Santos, mas apontador e Carneiro. José Augusto Carneiro, de seu nome completo.
Realmente, as amizades entre colaboradores das Construções Técnicas eram tão fortes, que até sugeriam tratamentos de choque, como, por exemplo, este aplicado pelo Peres ao suposto amigo José Augusto.
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Texto extraído do livro "DEGRAUS e MARCOS da VIDA"

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