sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O CINE-RIBATEJO - Cartaxo

O Cine-Ribatejo foi, durante décadas, a única Sala de Cinema digna desse nome na região do Cartaxo.
Do que me lembro, nos anos 40 e 50 do século XX - e só quando o rei fazia anos - lá ia uma fitazita ambulante a Pontével, a Vale da Pinta ou à Ereira, mas, quase sempre, eram filmes de películas de refugo, riscadas e desgastadas pelo tempo. A começar pelas pobres condições acústicas e de conforto das salas, e a acabar nas "cordas" dependuradas no "pano" (ecran), tudo era mau. Se ao menos fosse num dos "emblemáticos" Cinemas de Lisboa, como o "Piolho", o "Galo", o "Arco Bandeira" ou o Olímpia, ainda a malta podia expressar-se e mandar o projecionista enrolar a "corda", meter a "corda" no saco, mas em Vale da Pinta isso era de todo improvável. Seria, na melhor das hipóteses, excomungado pela sociedade da aldeia, porque, se as coisas descambassem para o pior, ainda podia levar um "enxerto" de porrada no lombo, por se ter armado em Xico-esperto. Aqui, só se podia, e devia, aplaudir, mas nunca assobiar e, muito menos, patear. No entanto, era o que havia.
Eram meses e meses de espera pelo "Home do Cinema." Este chegava pelo início da tarde, dava duas voltas à terra, de carripana artilhada na sua capota com um bojudo altifalante, de cujo interior jorrava uma torrente de algaraviadas que ninguém percebia nada. Arrastava a miudagem (eu incluído) atrás dele e, mesmo que algum de nós (putos) não fôssemos à sessão, parte da festa já estava feita.


O Cine-Ribatejo era outra "loiça": era uma Sala concebida para o bom espetáculo. Os "porteiros" Manecas e Manuel Cebola eram figuras carismáticas, que obliteravam os bilhetes mas não conduziam as pessoas aos lugares, já que, por ali, toda a gente conhecia e tratava a sala por tu. 
Ao contrário do que a lógica - e o oftalmologista - recomendava, nas aldeias vizinhas os lugares mais caros eram nas filas da frente. Era um "luxo" tal, que até as pessoas que iriam usufruir destas filas tinham que levar cadeiras de casa. Nas traseiras, como a 2ª Plateia, era mais a malta remediada, sendo que os unhas de fome, os forretas e os ébrios se instalavam nos camarotes feitos com varolas de eucalipto. Porém, e voltando ao Cine-Ribatejo, quando o filme versava cow-boys e outras aventuras, em que metia "porrada de criar bicho", as filas A; B e C estavam sempre reservadas para um grupo de maduros de Vila Chã de Ourique. Era ali, mais perto dos tiros, socos e pontapés que eles se sentiam bem, como se tudo aquilo fosse real, e eles próprios os protagonistas do filme.

Em rapaz, ainda vi lá alguns filmes, não muitos, porque a féria já tinha ido para consumo caseiro e a semanada era curta. Contudo, dentro do panorama concelhio, aquilo era  muito bom.
Nesses remotos tempos, houve alguns cinéfilos de Vale da Pinta que eram fiéis frequentadores do, agora homenageado, Cine-Ribatejo. Lembro-me de alguns, da Velha Guarda, como o Afonso Narciso Pereira, o Joaquim Glória Caria, o Xico Espanhol, e o Mártir-Santo; de gente mais precoce, havia o "Judas", o João "Toucinho" e o Vítor da Sezaltina.
Não raras vezes, alguns daqueles serôdios, distraídos, "enganavam-se" na porta, e até na rua, indo aportar à Rua da República, em vez de caminharem até à Rua 5 de Outubro, onde ficava o Cinema. Isto é, trocavam o Cine-Ribatejo pela Adega do Miranda. Como se adivinha, o "filme" aqui era outro: enquanto o do Cine-Ribatejo metia Dean Martin e Scotch Whiskey, este metia Afonso & C. ªªa, mais o saudável carrascão tinto, de 14º ou mais, made in Cartaxo.
Foi bom ter existido o Cine-Ribatejo. 

Nota: Por curiosidade, em substituição do Cine-Ribatejo, e no mesmo espaço geométrico, foi edificado o Centro Cultural do Cartaxo. Este, construído pela empresa Teixeira Duarte, S.A. , onde eu era colaborador.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Há BULLYING e bullying!



 Até o pomposo epíteto "BULLYING" me causa vontade de voltar a brigar! É verdade! Nunca pensei que, passados tantos anos, a minhas BRIGAS (e as dos outros), viessem a ter por base um inglesismo, ou melhor, um anglicismo, só para tornar sonante as rixas de cada qual. No entanto, de modo a não ficar desatualizado, correndo, quem sabe, o risco de ser relegado para a lista dos arcaicos, aqui estou eu pactuando com a linhagem linguística dos súbditos de Sua Majestade. Porém, em jeito de protesto, dá-me ganas de gritar, dizendo: - Ah GANDA "BULLYING" à moda da década de 50!... 

Que saudades eu tenho do Bullying de outrora, em Vale da Pinta. Assim é que era Bulling são e a sério! Não havia grupinhos nem grupelhos, árbitros, managers e outros segundos, nem sequer toalhas brancas ou maleta de primeiros socorros; era mano a mano, um contra um. Espectadores havia sempre. E muitos.... Cada um dos contendores tinha a sua base de apoio, mas, apenas e só, moral. E para mostrar agilidade e valentia, era tudo a soco, chapada e pontapé. Ninguém se socorria de qualquer tipo de arma para se armar em parvo. Nem sequer de botifarras, porque, à época, quase toda a rapaziada andava descalça. Eram brigas tão saudáveis, que nunca me apercebi de que alguém tivesse que ser socorrido, devido a equimoses ou nódoas negras. Apenas uns arranhões, um olho negro... ou, ainda, um ou outro puto com um "galo na pinha", devido a uma qualquer fuga do "campo de batalha". Quem fugisse, o mais certo era levar uma pedrada na mona, mas o desertor, apesar da cabeça partida, acabava por ficar com a razão do seu lado, já que tinha sido atacado por trás, e, portanto, à traição, à falsa-fé.


Também nunca houve sequestros ou tipos amarrados a postes. Ninguém se podia queixar de ter sido manipulado. Era tudo em campo aberto, em total liberdade. A professora, que era velha mas já tinha ideais modernaços, era logo a primeira a provocar o Bullying no toutiço da malta, com uma cana-da-índia.
Era bom que esta JUMENTUDE SUPER VIOLENTA e ASSASSINA de hoje, atentasse nesta descrição de lutas dos anos 50 e concluísse que, com os "velhos" também se aprende. Se eu aprendo certos anglicismos nefastos, só porque quero estar na "berra", também vocês têm que APRENDER A SER GENTE, para merecerem pertencer ao Mundo dos Humanos.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Parto Made in Portugal

Uma mãe deu à luz num ciber-café e não parou de jogar

20.Mai.2015 11:14
Uma jovem chinesa deu à luz no estabelecimento e não quis parar de jogar quando acabou o parto.
Em Nanchang, na China, uma mulher de 24 anos deu à luz enquanto jogava num ciber-café. A mãe, que estava à espera do seu namorado, fez o parto sozinha sem chamar a atenção dos funcionários do estabelecimento e insistiu em continuar a jogar quando acabou de dar à luz.
A jovem foi tão silenciosa que os donos só se aperceberam do que estava a acontecer quando a recém-nascida começou a chorar. Um dos donos ofereceu água quente à mulher, mas ela recusou, focando-se apenas nos videojogos. Os donos ficaram tão chocados com a situação que envolveram a bebé em tecido e chamaram uma ambulância.
A família acabou por se juntar à jovem mãe no hospital onde ficaram a conhecer o novo membro da sua família. Por agora, não existem mais informações sobre possíveis repercussões pela atitude da mulher ou o estado da recém-nascida, mas demonstra o crescente perigo do vício por videojogos na China.
Sem CHINESICES!
Conhecem Vale da Pinta-Cartaxo? Ah, não? Então, fiquem sabendo que esta notícia, se é novidade lá pelas Chinas, aqui em Vale da Pinta não o será, de todo.
É verdade que já lá vão algumas décadas, e estes factos, embora raros se não inéditos, tendem a ficar esquecidos com o passar dos anos, mas, aproveitando o mote, apraz-me trazer à lembrança das pessoas que, nos fins da década de 50, viviam na minha terra, um acontecimento factual que vale a pena ser divulgado às novas gerações.
Uma senhora, de cuja figura me lembro bem, mas da qual já não recordo o nome, era casada com o "Cassapo", com quem habitava uma modesta casita, ali para o lado do armazém dos Nobres, na estrada que liga Vale da Pinta ao Cartaxo. Até aqui, tudo normal. Certo dia, vinda de fazer o seu "aviado" semanal, na loja do Afonso Narciso Pereira, mal se acercou da caldeira do Zé Maricas, sentiu que o rebento que trazia no ventre estaria prestes a "rebentar". Naquela altura, não vislumbrando por ali vivalma, também não se intimidou com isso. Como já não era a primeira vez que dava à luz e, por via disso, já sabia com o que contava, acercou-se da valeta, abriu as pernas e, vai disto: segundos depois já cá "chorava" o, agora, recém-nascido. Continuando solitária no seu heróico acto, pegou no rebento, meteu-o na alcofa das compras e... safa para casa, a pé e descalça, como era seu hábito.
Sabe-se que a criança sobreviveu, cresceu e fez-se gente maior. Isto foi em Portugal, mais propriamente em Vale da Pinta-Cartaxo, mas como à época não havia You Tube, nem Twitter, o caso não teve a devida repercussão e esfumou-se no tempo.
Perguntem a algumas pessoas, como, por exemplo, o António Parente da Silva, que ele lembrar-se-á, certamente, deste típico episódio.

terça-feira, 28 de abril de 2015

FEIRA dos SANTOS - Cartaxo

"OS CARRINHOS de CHOQUE" na FEIRA dos SANTOS.
De um modo geral, QUASE TODOS nós, quando pequenotes, desfrutámos do prazer de "andar" nos carrinhos de choque.
Na Feira dos Santos, no Cartaxo, aquilo era um corrupio de gente adulta, com a miudagem pela mão, sôfrega, acotovelando-se, em vez de formar fila, para tentar obter um lugar num daqueles carritos, cujos clientes teimavam em não descolar o traseiro do assento, dando a vez aos demais, que desesperavam. E a verdade é que a nossa vez não havia maneira de chegar!...
Mas quando eu digo QUASE TODOS, mesmo não tendo elementos para estabelecer estatísticas, sei bem do que estou a falar. Para mim, enquanto rapazito na casa dos oito/dez anos, de todas as vezes que alapei o rabo num daqueles carros, tinha que assistir, primeiro, a uma zaragata entre o meu pai e um dos "mangas" empregados dos carros de choque. Era o choque inicial, para abrir o apetite e aquecer os motores. Mas, pior que isso, (eu diria melhor que isso) foi uma cena a que assisti, protagonizada, não pelo meu pai, como era costume, mas pelo seu meio-irmão, o "Chico Porreiro". Era de Vale da Pinta, mas casado na Ereira. É que a rede sanguínea, ainda que em dose reduzida a 50%, ainda corria nas veias de ambos, e os maus-fígados também. Para agravar a situação, o "Chico Porreiro" nunca na vida tinha conduzido, nem uma carroça quanto mais um carro de choque. Mas ele lá foi. Muito compenetrado no seu papel, com a filha Ilda pela mão, consegue, enfim, a desejada vaga num daqueles bólides. Pegou na miuda, sentou-a no assento e, ato contínuo, saltou para o interior da máquina, agarrando-se ao volante, com unhas e dentes. Ao troar da sirene, que anunciava o arranque daquela corrida, QUASE TODOS deram ao "start", procurando cada qual posicionar-se de modo a conseguir embater nos adversários, com a força e jeito possíveis, com a perícia bastante para não se deixar atingir. É verdade que QUASE TODOS, porque o meu tio "Porreiro", mesmo de dentuça arreganhada devido ao esforço, à pressão e à vergonha, não conseguia que a sua viatura se deslocasse do sítio de onde o seu antecessor a tinha deixado. O bólide, em boa verdade, lá deslocar, deslocava-se, mas só se deslocava por ação de terceiros. Isto é, como não estava cravado, nem colado ao piso da pista, deslocáva-se... no ar.
O Chico Porreiro" bem protestava, gritava e esbracejava ameçando todos aqueles saloios que, sem categoria nem aptidões para conduzir aquelas viaturas, teimavam em ir chocar com ele. Mas a verdade é que, devido à azáfama e ao ruído ninguém o ouvia. Não o ouviam, mas viam-no! Ou, pelo menos, viam o seu carrito, já que a cadeia de choques não cessava, antes aumentara. E o pior é que havia uns manguelas que riam dele e lhe gritavam: - "Ó seu nabo! Sai do caminho! Carrega na merda do pedal!"
Bem! A pobre da Ilda chorava e chorava, cada vez mais. É que a miuda, ao ver-se envolvida naquele inferno, rodeada de carros por tudo quanto era lado, que se "abatiam" sobre o do pai dela sem dó nem piedade, foi levada a pensar que o Mundo estava todo contra ela, e que só por milagre sairia dali viva. Volvidos os 3 minutos da praxe, que para este duo foram 3 longas horas, a sirene voltava a troar, mas, desta vez, para anunciar o fim das hostilidades.
Agora, já da parte de fora do carro, o "Porreiro", vingativo como era, olhou em redor e ainda esboçou algumas tentativas para tirar desforço de alguém, de um dos muitos malteses que se predispuseram a estragar-lhe a Feira, só que eles eram todos iguais e... às dezenas. E já que, por enquanto, ainda estava inteiro, por que carga de água havia de se aleijar? Pensou e pensou bem: -"Tenho filhas para criar, portanto, o melhor é dar à sola para não mais voltar!"
Não posso garantir se ele alguma vez voltou à Feira dos Santos, mas eu, não sendo muito dado a apostas, era capaz de jurar que, tanto o meu tio "Chico Porreiro" como a prória Ilda, nunca mais nas suas vidas voltaram a pôr o cu naqueles, ou noutros, carrinhos de choque.


Para além do susto da Ilda, a tensão, o tormento e a vergonha por que tinham passado, já bastara.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Extrato Simples-Gabriela

Extrato de um capítulo do Livro "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", Volume II.

Estes gajos do capacete branco, que andam aqui a sugar o sangue à malta…
Era assim, que alguns elementos da Comissão de Trabalhadores tratavam os profissionais de engenharia, os desenhadores, os escriturários, e os encarregados gerais. Tudo o que fosse capacete branco, era alvo a abater.
O tipo já não teve tempo de dizer mais nada. Saltei para cima do dito palco tentando deitar as unhas ao bêbedo da Comissão. Sim, porque este gajo, que dizia estar a sofrer a sugagem de sangue, o que devia ter dito era a sugagem de vinho, já que era um daqueles que, depois de enfiar uns copos no bucho, costumava bater umas sonecas no interior da Galeria Técnica. Mas isto para dizer, que os meus dedos ainda sentiram o raspar pela camisa do fulano, só que, ato contínuo, comecei a levar porrada nas costas, daquela horda de cobardolas que me agarrou e rasgou a camisa e aos gritos de “atira-se o gajo ao rio!” Onde o gajo era eu e o rio Tejo estava ali a cerca de dez metros. Não seria muito difícil a quatro mangas pegarem em mim e mergulhar-me no Tejo. Entretanto, no meio da barafunda, deu tempo para que o comissionista zarpasse dali para fora, para nunca mais ser visto.
No dia seguinte fui chamado à Comissão para uma reunião de emergência. O que queriam eles? Que eu prometesse não retaliar com o indivíduo quando o encontrasse na obra. Eu respondi assim:
— Cá dentro, no local de trabalho, garanto que não retaliarei. Faço até de conta que não o conheço, mas quando o apanhar lá fora, parto-lhe o focinho.
Fosse como fosse, nunca mais o tipo foi trabalhar, nem eu o vi mais, nas redondezas, até hoje. Presumo que ele residia na outra banda, ali para Salvaterra, Samora Correia… não sei.
Mas a pressão da Comissão, não se esgotava aqui. Porque certo dia, por volta das cinco da tarde, o meu colega Dionísio veio avisar-me de que o meu nome estava exposto na vitrina para, conjuntamente com outros, marchar para Lisboa a fim de montar guarda à Assembleia da República, nomeadamente ao Primeiro-Ministro, Pinheiro de Azevedo. Então eu tinha de ir para as aulas no ISEL, que começavam às 19h00, e em vez disso, tinha de ir ajudar a prender o homem? Nem dava para acreditar. Mas eu não poderia aceitar aquilo, que considerei uma afronta. E, vai daí, fui ao Armazém com o intuito de chegar à fala com o dono da Comissão, Manuel Simão.
E começou o diálogo:
— Ouça lá! Quem foi o idiota que escreveu, ou mandou escrever, o meu nome na vitrina? – perguntei.
— Sabe, aquilo foi uma escolha aleatória que nada teve a ver consigo. Esses nomes foram, depois, aprovados por unanimidade. – respondeu.
— Ah foram? Então, ou você vai já a correr riscar o meu nome da lista, ou amanhã, quando eu chegar, se tudo continuar como está e, com base nisso, houver uma voz no Plenário para sanear o Caria Luís, garanto que você se vai dar mal comigo! – e continuei:
 — Então você, dono da Comissão, sabe que eu tenho que ir para as aulas e coloca o meu nome na vitrina?
— Ó senhor Caria Luís, mas eu já lhe disse como é que aquilo aconteceu, bolas! – justificou-se.
— Pois olhe, mestre Simão: eu juro pelos meus dois filhos que, se você não riscar dali o meu nome, amanhã aperto-lhe o papo! – afirmei.
E fui para Lisboa, mas para Cabo Ruivo, que era onde se situava o ISEL. Os politiqueiros, calaceiros, agitadores profissionais e outras gentes de mau porte, que fossem prender o Pinheiro de Azevedo, mas comigo não contavam. Eu tinha coisas mais úteis para fazer.
No dia seguinte, ao entrar no portão da Fábrica, deparei-me com o Dionísio que me disse:
— Eh pá, afinal, mal tinhas acabado de sair, o gajo foi logo apagar o teu nome.
É claro que fiquei mais descansado, mas caso ele aflorasse aquele assunto no Plenário, juro que lhe dava uma sova das antigas.
Mas, para espanto meu, a partir de certa altura, o comportamento da Comissão para comigo melhorou radicalmente. Eu, que estranhei aquela brusca  mudança, vim a saber pela boca de um dos membros da Comissão de Trabalhadores, o que esteve na base desse facto. Não porque esse bando de malfeitores tenha pura e simplesmente mudado de opinião acerca da minha pessoa, mas sim porque a teia em que costumavam envolver as chefias fora rompida. Rompida, mas por eles próprios, a fazer inveja a um qualquer investigador da PIDE. Foi numa tarde em que o comissionista Manuel Carvalho me pediu uma audiência no escritório. Mas antes, para enquadrar este novo cenário, convém que descreva este fulano.
Manuel Carvalho, de seu nome, com idade a rondar os cinquenta e tantos anos, residente em Vila Franca de Xira, de carpinteiro de profissão, de grande envergadura física, algum expediente acima da média e ex-emigrante na África do Sul, onde esteve cerca de trinta anos. Ele tinha regressado a Portugal havia pouco tempo, talvez por altura do 25 de abril. Assumia-se como um recém-militante do PCP, mas tentava evidenciar um certo distanciamento em relação a certas atitudes mais radicais dos camaradas. Para isso, para me convencer de que ele era diferente dos demais, para que eu lhe desse uma certa abertura, e para que não pensasse que ele era um qualquer comunista que estava ali, começou por dizer que, em Joanesbugo, onde vivia com a família, fazia uma vida um tanto ou quanto faustosa, viajando bastante, indo sempre comer fora aos fins de semana… enfim, um rosário de vida social que ele fazia questão de enaltecer. Também me disse que, aquando de uma atuação do Frank Sinatra, em Cape Town, ele e demais família, não deixaram de estar presentes, sentados nas primeiras filas. Ele de smoking, e a senhora com vestido de noite, trajes aqueles que se enquadravam nas formalidades do evento.
Feita esta introdução, mudou a agulha da conversa para me dizer que tinha estado, dois dias antes, numa reunião do Partido Comunista, com dois amigos, estabelecidos com uma sociedade no comércio de móveis, em Vila Franca de Xira e que eram, simultaneamente, meus conterrâneos. Conversa puxa conversa, e os dois sócios não deixaram de dar conta ao sr. Carvalho, que eu residia na Castanheira do Ribatejo, era cliente da loja, e que, ainda há pouco tempo atrás, lhes tinha comprado um colchão, tipo Molaflex. Seriam coisas de somenos, mas o mais importante é que me conheciam bem e, por isso mesmo, não deixaram de fazer o relato de tudo o que sabiam acerca de mim. Disseram-lhe, então, que, sendo ambos de Vale da Pinta, conheciam muito bem os meus pais e os meus sogros. Eram, eles, os valedapintenses Ângelo de Sousa e José Caria, os sócios de uma oficina e loja de mobiliário, ali junto ao Conde Barão, em Vila Franca de Xira.
O Ângelo fez questão de realçar, que era amigo íntimo do meu pai, que também era da cor, ambos eram músicos de clarinete, e que, por vezes, até tocavam juntos na Banda de Vale da Pinta. O José Caria, por sua vez, disse que, além de ser amigo do meu pai, era primo da minha sogra. Ainda no dizer deles, era tudo gente honesta e muito trabalhadora.
Eu, depois de ter escutado, atentamente, o relato daquela investigação, que mais parecia um filme de espionagem, perguntei:
— Então, sr. Manuel Carvalho, como é que você chegou à fala com esses dois meus conterrâneos acerca da minha pessoa? Ou seja: como soube que eu era de Vale da Pinta?
O homem respondeu com clareza e não escondeu que o processo utilizado passou por pedirem na Sede, que vissem no meu processo, quem eu era. Como se ali, naquela papelada, houvesse alguma coisa que abonasse ou não o meu modo de estar na vida. Foi assim, sabendo que eu era de Vale da Pinta, que ele, Manuel Carvalho, fez a ligação entre o técnico Caria Luís das Construções Técnicas e os dois comerciantes, sócios, naturais de Vale da Pinta, estabelecidos em Vila Franca de Xira e, como ele, militantes do PCP.
Mas, já que eu tive a pachorra suficiente para ouvir aquela panóplia descritiva, achei que tinha chegado a altura de inverter os papéis e, desta vez, ser o Carvalho a ouvir-me. E eu disse:
— Pelo que sei, aquilo que a Comissão fez, foi uma autêntica investigação, ao estilo da PIDE, mas isso não me afetou nem me afeta. Fique sabendo, que trabalho desde os dez anos e se quis estudar, tive de o fazer de noite. Estou, por isso, habilitado a dar lições de trabalho e produtividade a toda essa gente, onde alguns fulanos, gosmas e oportunistas, que se infiltraram nessa Comissão - que devia ser de trabalhadores - para não mais bulirem. É uma vergonha para a empresa e para todos os trabalhadores honestos, saber-se que as duas tabernas vizinhas da Fábrica, estão sempre enfeitadas com esses bêbedos que, depois de bem bebidos, vão curti-la para dentro da Galeria. E o pior, é que se algum chefe os chama à razão ou lhes ameaça cortar o tempo da borga, eles, sendo da Comissão, além de se considerarem impunes, ainda ameaçam essas chefias com saneamento.
E antes de terminar, ainda disse ao meu interlocutor:
— Veja lá você, sr. Carvalho, se um indivíduo como eu, que trabalho desde os dez anos, a minha política sempre foi o trabalho e o estudo noturno, apolítico quanto baste, ao ser confrontado e afrontado pelos mais sórdidos comportamentos por banda da Comissão, poderá, alguma vez na vida, ser comunista ou coisa que se pareça. Vocês, decerto, nunca ouviram dizer que não é com vinagre que se apanham moscas. Se isto é a tão propalada Democracia, então não quero ser democrata.
            O Manuel Carvalho, pedindo desculpa pelo tempo que me roubou, prometeu pedir uma reunião da Comissão, a fim de tentar remediar ou eliminar algumas das malfeitorias perpetradas pelos colegas.

Não sei se foi devido ao 25 de novembro de 1975 ou se pela história que acabei de contar, que as atitudes da Comissão para comigo mudaram radicalmente, para melhor, já se vê. Não fora o rol abonatório do Ângelo de Sousa e do José Caria (Zé da Vitorina), e não sei se a paz se instalaria naquela obra de 480 fulanos, em que metade deles não trabalhava.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Séc. XX - anos 76/78 - Portugueses em Marrocos

Medina de OUJDA
 – Os excêntricos
  Eles eram tantos, que nem sei por onde começar. Porém, nem todos aqueles que contribuíram para a lista dos motes, que serviram de base a certas cenas foram dignos de figurar no top. Dentro de uma certa lógica e por uma questão de espaço e racionalidade, só os casos mais emblemáticos serão referidos.
Devido ao facto de o nosso amigo Sete Línguas ter sido referenciado como o Pontífice dos excêntricos, será ele a abrir o desfile.

1 - O Sete Línguas comprou uma “bomba” –
O Silveira, vulgo Sete Línguas, andava doido para comprar um carro. Durante vários fins-de-semana palmilhou por El Aioun, Taza e Oujda, correu Ceca e Meca, mas, como era esquisito, não havia maneira de encontrar a viatura com que sonhava, havia um mês. Quando menos esperava, chegou-lhe aos ouvidos a notícia, que o nosso mecânico Rachid Driss sabia de um carro que estava à venda num stand de Oujda, que era uma autêntica bomba. O Sete Línguas correu à oficina, entabulou conversa com o Rachid e inteirou-se dos pormenores da viatura. O que ouviu da boca do outro encheu-o de entusiasmo. De tal modo, que pediu dispensa no serviço, arrastou consigo um chauffeur de ocasião, arranjou quem lhe desse boleia e depressa chegou ao stand. O que se passou em Oujda, desconheço, mas sei que o Sete Línguas apareceu na obra com um Opel Record 1900 azul-cinza, que era uma autêntica bomba, como ele tanto gostava de evidenciar.
Lembro-me que era fim de tarde, quando o Silveira irrompeu pelo meu escritório adentro e, com o ar mais feliz deste mundo, informou-me:
— Ó sr. Caria, quer ver a tal bomba de que lhe falei há um bocado?
— Mas que carro é? E onde é que ele está? – perguntei.
— Está atrás da carpintaria! – respondeu.
Era realmente um carro grande, robusto, tipo carro americano, mas estava estacionado junto de um monte de desperdício de madeiras. Por isso, disse assim ao Sete Línguas:
— Ó Silveira, você coloca o carro encostado à serradura e ao lixo? Olhe que os gajos da oficina, podem deitar fogo à bomba! – alertei.
O tipo ficou à rasca e pediu ao Agostinho da carpintaria para que lho desviasse daquele perigoso local. O que este fez.
Mas então, dei uma olhadela ao carro e, sem perguntar nada, fiquei a pensar que seria carro para ter de uns oito a dez anos.
Ele não tinha carta de condução, mas isso, para ele, não constituía problema, já que tratou de convencer o carpinteiro Agostinho, no sentido de lhe dar uma ajuda na experimentação da bomba. O trajeto por ele escolhido era ir a El Aioun, onde residia, e regressar à obra. Seria uma pequena viagem de vinte e quatro quilómetros, mas já daria para perceber se a tal bomba se portava bem e ficar a saber se tinha, ou não, feito um bom negócio.
No fim do dia de trabalho, montaram-se ambos no carro e arrancaram rumo àquela povoação. À cena de os ver entrar na viatura, ainda eu assisti, depois, nesse mesmo dia, já não soube de mais nada.
Na manhã do dia seguinte, entrou o Sete Línguas no meu escritório e desabafou assim:
— Ó sr. Caria Luís, estou desgraçado! Então não é que o sr. Agostinho ia dando cabo da minha máquina?
— Ó Silveira, não me diga tal! Mas conte lá, homem!
E o nosso amigo exemplificava, o melhor que podia, as peripécias da experimentação da sua bomba, na ida e vinda a El Aioun.
— Olhe senhor: ele, já ali na saída do estaleiro, enquanto andava à procura das mudanças, fazia-o com tal ímpeto que eu já estava a ver quando é que a alavanca saltava do sítio. Depois, na entrada para a Estrada Nacional, não conseguindo meter a primeira, andava, desandava e rodava com a alavanca como eu nunca vi.
Interrompi o seu discurso para abreviar a cena e perguntei:
— Ó Silveira, mas na estrada reta, sem inclinações e com pouco trânsito, sempre as coisas melhoraram, não?
— Não senhor! Não melhoraram nada! Ainda foi pior, porque ele, para me fazer ver como é que se conduzia, pôs-se a fazer experiências, de modo brusco, de como reduzir e aumentar a velocidade, que eu, embora me custasse bastante, fui obrigado a mandá-lo parar com aquela maneira pouco ortodoxa de conduzir, se não, era melhor que voltasse para trás.
— Ó Silveira, mas o Agostinho não deve ter gostado muito dessa sua atitude, pois não? Ele, ao fim e ao cabo, foi fazer-lhe um favor…
— Ele não gostou, mas teve que as ouvir. Era o que mais faltava: um carro em bom estado, que me disseram ter sido de um médico, andar nas mãos de gente desta. Eu, no fim, até lhe agradeci pelo facto de ter ido comigo, mas também lhe disse que nunca mais ele conduziria este carro.
Eu, em jeito de desafio, comentei:
— Você não sabe, mas eu digo-lhe: o Agostinho tem carro, e conduz há mais de dez anos. Opel é a marca da carrinha dele, portanto dá impressão que você é capaz de estar a exagerar um bocadinho.
— Ó sr. Caria, pode acreditar em mim, que sou uma pessoa séria. Palavra de honra que, de cada vez que ele mexia nas mudanças, saltava-me uma afronta no peito que eu mal podia respirar. O senhor Agostinho, transpirava e, ora deitava a língua de fora, ora mordia os lábios… e, ao mesmo tempo, emitia sons do género: brrrruuum, brrrruuum!... O senhor nem faz ideia.
Bem, perante isto, o Sete Línguas tinha de se virar para outro chauffeur. Um que mostrasse ser digno de lidar, de maneira mais suave, com aquela alavanca de mudanças.

Na verdade ele arranjou um outro fulano para lhe conduzir a viatura, mas parece-me que pior foi a emenda que o soneto. O escolhido para a função de andar a passear o Silveira pelos aglomerados populacionais e estradas de Marrocos, foi o capataz Joaquim Pereira dos Santos. Este cromo - nado e criado em Guilhabreu, Vila do Conde - em termos de excentricidade, ainda superava o Sete Línguas. Além disso, era uma esponja muito razoável. Num país onde a venda livre e o consumo de bebidas alcoólicas estavam proibidos, ele era um autêntico outsider. Por mais de uma vez tive de o castigar, suspendendo-o do trabalho, por me aparecer bêbedo, a tresandar a álcool, logo pela manhã. Eram bebedeiras de bagaço - que ia de Portugal - e que, durante a noite, não tinha havido tempo para as curtir.

terça-feira, 24 de março de 2015

O novo riquismo é lixado

JOSÉ GUILHERME JORGE DA COSTA, é este o seu nome. Presumo que todos os que, como eu, trabalharam nas "Construções Técnicas", se recordarão dele. Uns, mais que outros lembrar-se-ão dos primórdios do homem que, passadas algumas décadas, entrou na liça da Imprensa e da Justiça. Quando o vi, trajando fato-macaco, todo borrado de óleo, a conduzir uma camioneta, transportando terras, nunca pensei que dali pudesse advir o multimilionário que até se deu ao luxo de doar (?) 14 M€ ao "dono disto tudo", vulgo Ricardo Salgado. Os tempos foram mudando, as obras também, e quando o voltei a ver - na Obra da Doca Seca da Lisnave, em 1969 - nem queria acreditar naquilo que os meus olhos viam. É verdade! Estava eu no escritório, muito compenetrado na feitura do Planeamento PERT, na companhia do engº Machado Soares, quando um inusitado chiar de travões nos "obrigou" a assomar à porta. Saí e dei de caras com um "bólide" verde-garrafa, da conceituada marca "PORCHE", modelo "Carrera", que nos deixou inebriados. É que, à época, nem eu nem o engº Machado Soares tínhamos carro. Eu limitava-me a conduzir uma "Vespa 150" e, e... Nem sequer um Fiat 600 ou um "Carocha", quanto mais um "Porche Carrera"... Mas, mais boquiabertos ficámos quando do seu interior saiu o amigo Zé Guilherme, que se apressou a cumprimentar-nos. Ainda mal refeito do "choque" visual, aproximei-me da luzidia viatura e comentei: - "Eh, pá! Um "Porche Carrera"? Bolas!..." Como resposta, ouvi: - "É verdade, amigo Zé Luís! E já está pago!" Na altura pensei que, mesmo que não estivesse pago, também não seria eu a pessoa mais indicada a quem o Zé Guilherme recorreria para ajudar no pagamento daquela bela máquina. Depois, durante alguns anos, fui acompanhando muitas outras "estórias" de vida do Zé´Guilherme, ao ponto de ele me querer "levar" das "C. Técnicas" para a recém-criada "Tecnovia". Lembro-me de muitas peripécias, mas aquela cena que me deixou um bocado abalado, foi num almoço que o Zé ofereceu aos Quadros das C.T. no Algarve-Sol, em Quarteira. Estávamos, então, na construção da Marina de Vilamoura, onde a "Tecnovia" era nossa subempreiteira, no transporte de enrocamento das pedreiras para a obra. No início do repasto, aquando dos preparativos para aguçar o apetite à malta, - éramos 12 +1, como os Apóstolos e Cristo - o Zé Guilherme levantou-se, chamou um dos empregados de mesa e, do alto do seu metro e oitenta e tal, gritou ainda mais alto: - "Ó chefe, o que é isto?!... Que Wisky é este? Eu só bebo Wisky velho!" Agora, digo eu: - "O novo riquismo é lixado!" Não sei se ele, à data, já era amigo do Ricardo Salgado, mas, de qualque modo, para ter amigos a quem se dê 14 M€, mais lhe valia continuar connosco e pagar, apenas, uns almocitos de vez em quando, para não dar a impressão de "que somos pobres e mal agradecidos". No entanto, nesta fase menos boa, desejo que as coisas corram como o Zé Guilherme bem desejar.

O construtor que presenteou Ricardo Salgado com 14 milhões de euros deixou de figurar na lista de audições. Ia ser ouvido no mesmo dia que Eduardo Stock da Cunha, o presidente do Novo Banco.
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terça-feira, 3 de março de 2015

O "cromo" MARTELEIRA (2)


O estagiário engº Marteleira, "cromo" como era, não nos podia abandonar sem deixar ainda mais vincada a sua passagem pela VI Linha Fabril da Cimpor, em Alhandra. O principal autor (e ator) das mais variadas sagas, ainda tinha muito para dar, como se pode comprovar na crónica que se segue. Este episódio, que também tem algo de excêntrico, só podia mesmo ser protagonizado pelo nosso engº Marteleira.
O principal ator de outras sagas, não nos quis deixar sem participar nesta - mais uma - a juntar ao seu vasto currículo.
Precisando que mudassem o óleo do seu NSU, meteu uma cunha, no sentido de que a operação fosse efetuada na oficina mecânica da obra. Ora, como ele era da empresa e, além do mais, era um tipo porreiraço, que até fazia questão de afirmar que não gostava dos comunistas, foi-lhe dada essa abébia, e a mudança de óleo foi mesmo efetuada na oficina. Porque estávamos na tarde de sexta-feira e aproximava-se o fim-de-semana de Carnaval, pediu para que o não deixassem enrascado, já que tinha assumido compromissos na terra, aos quais não podia faltar. E assim foi: o mecânico Nogueira assumiu o comando da operação e, passados que foram uns vinte minutos, ficou o engº Marteleira a saber que podia, a qualquer momento, sacar a sua bela máquina e, nela, seguir caminho até, pensava ele, à vila da Lourinhã. Agradeceu os préstimos do staff da mecânica, sorridente, esfregou as mãos de contentamento, despediu-se com abraços, e seguiu, fábrica adentro, procurando os trilhos que o haviam de conduzir à sua adorada Lourinhã. 
Porém, mal saiu da localidade de Alhandra, e por ter dado mais um pouco de gás à viatura, notou um barulho esquisito, que lhe pareceu ser proveniente da roda dianteira, do lado direito. De tanto escutar, distraiu-se e deixou que aquele rodado saísse do asfalto e tivesse afundado no mole terreno da berma. Como viu o afundanço pender para aquele ponto, foi levado a pensar que lhe tinha saltado fora a roda daquele lado; do lado de onde provinham os tais barulhos. Assustado q.b., saiu do carro num salto, e correu cerca de cem metros para trás, tentando, por aí, achar a roda que, para ele, tinha ficado pela estrada ou caído na valeta. Naquele momento de frenética pesquisa, aproximou-se uma motoreta, a cujo condutor o Marteleira fez sinal para parar. À pergunta, "se tinha visto por aí uma roda", o outro respondeu com um não. Mas o motociclista, colaborando, não prosseguiu na sua viagem. Antes acompanhou o Marteleira na pesquisa da misteriosa roda que, para o seu dono, por artes do Demo, se tinha esfumado.  Valeta abaixo, valeta acima, um do lado esquerdo e o outro do lado direito, passaram tudo a pente fino, mas debalde. O diabo da roda não aparecia nem por nada. Já descoroçoados, aproximaram-se ambos do NSU do engenheiro, deram a volta ao carro e descobriram que a tal roda que procuravam, estava sossegada e inerte no seu devido lugar. Estava atafulhada de lama, mas estava lá.
Já mais calmo, pegou na viatura, fê-la girar 180º, e voltou à oficina da obra, onde relatou o percalço ao mecânico Nogueira. Este, que meia hora antes, tinha colocado umas pedrinhas, tipo gravilha, no interior do tampão, deixou-o sair para dar tempo de proceder à retirada das pedras. Depois, chamou-o para lhe fazer a entrega do NSU, agora em perfeitas condições, sem barulhos.
 Para que conste, o engenheiro foi o primeiro a contar a saga da roda que se julgava perdida, algures, numa valeta da berma da estrada da Arruda, e o mecânico Nogueira ficou a saber, que aquela partida de Carnaval poderia levar algum erudito a transportar o cómico episódio para o cinema. Estivéssemos nós em Hollywood…


Por coincidência, o motociclista que ajudou na investigação do "mistério da roda sumida", era carpinteiro na mesma Obra onde estagiava o engº Marteleira. Ele não conhecia o estagiário, mas, dois dias depois, quando o viu no estaleiro, meteu conversa com ele e ficou a saber que o distraído condutor do NSU era engenheiro e lourinhanense. Quando, nos meios rurais, se dizia que: “Ó pá, tu pensas que eu sou da Lourinhã?” estariam a relacionar a frase com o nosso amigo Marteleira? Eu digo que não, porque o Marteleira não era assim tão velho. Ele era um estagiário de uns vinte e poucos anos, mas que era um grande "cromo", lá isso era. 

sábado, 21 de fevereiro de 2015

LUSÍADAS - Séc. XXI

Os Lusíadas do Século XXI
Deliciem-se com o poema deste novo Camões, do "Luís vais sem tostões!"... 
de que eu  não sou autor... 



  
 "Canalhíadas" 
                      I
As sarnas de barões todos inchados
Eleitos pela plebe lusitana
Que agora se encontram instalados
Fazendo o que lhes dá na real gana
Nos seus poleiros bem engalanados,
Mais do que permite a decência humana,
Olvidam-se do quanto proclamaram
Em campanhas com que nos enganaram!

                     II
E também as jogadas habilidosas
Daqueles tais que foram dilatando
Contas bancárias ignominiosas,
Do Minho ao Algarve tudo devastando,
Guardam para si as coisas valiosas
Desprezam quem de fome vai chorando!
Gritando levarei, se tiver arte,
Esta falta de vergonha a toda a parte!

                    III
Falem da crise grega todo o ano!
E das aflições que à Europa deram;
Calem-se aqueles que por engano
Votaram no refugo que elegeram!
Que a mim mete-me nojo o peito ufano
De crápulas que só enriqueceram
Com a prática de trafulhice tanta
Que andarem à solta só me espanta..

                     IV
E vós, ninfas do Coura onde eu nado
Por quem sempre senti carinho ardente
Não me deixeis agora abandonado
E concedei engenho à minha mente,
De modo a que possa, convosco ao lado,
Desmascarar de forma eloquente
Aqueles que já têm no seu gene
A besta horrível do poder perene!


     de:
 Luís Vais Sem Tostões

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

CASTANHA-DO-BRASIL




10.1.09


CASTANHA-DO-BRASIL (CASTANHA-DO-PARÁ)

(Bertholletia excelsa)
Só uma castanha por dia... não mais do que isso, garante as doses de selênio de que seu corpo precisa para preservar cada célula, por para fora possíveis substâncias tóxicas e viver mais.
Cabe na palma da sua mão, e ainda sobra um espaço e tanto, a arma que vai superproteger as unidades microscópicas do seu organismo. Em segundos, ao mastigar uma única castanha-do- pará, você recarregará os níveis de um mineral extremamente importante para uma vida longa e saudável: o selênio. A pequena oleaginosa repõe a quantidade do nutriente necessária para dar combate ao envelhecimento celular, causado pela formação natural daquelas incansáveis moléculas que danificam as células, os radicais livres.
Um estudo da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, atesta que a ingestão diária de duas castanhas-do-pará recentemente rebatizadas castanhas do brasil, eleva em 65% o teor de selênio no sangue, mas provavelmente os neozelandeses não usaram o legítimo produto brasileiro. Ora, nós somos sortudos. É que as castanhas produzidas no Norte e no Nordeste do país são tão ricas em selênio que bastaria uma unidade para tirar o mesmo proveito. A recomendação é de que um adulto consuma, no mínimo, 55 microgramas por dia, diz a nutricionista Bárbara Rita Cardoso, pesquisadora do Laboratório de Minerais da Universidade de São Paulo. E com uma unidade da nossa castanha já é possível encontrar bem mais do que isso de 200 a 400 microgramas do bendito selênio. Aliás, o limite de consumo diário do mineral é de 400 microgramas, portanto, não vá com muita fome ao pote. No caso de uma criança, meia castanha seria suficiente, afirma Silvia Cozzolino, presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição.
E por que toda essa fama do selênio? Ele é essencial para acionar enzimas que combatem os radicais livres, responde Christine Thomson, a pesquisadora neozelandesa que investigou as propriedades da castanha. O selênio se liga a algumas proteínas já existentes em nosso corpo para formar essas enzimas antioxidantes, descreve, completando, Bárbara Cardoso. Na ausência dele, as tais enzimas ficam sem atividade e, então, deixam de combater os radicais e ainda desguarnecem as defesas do organismo.
O mineral da castanha também teria um papel especial na proteção do cérebro. É que, com essa capacidade de acabar com a farra dos radicais livres, as células nervosas seriam preservadas, evitando o surgimento de doenças neurodegenerativas com a idade. Justamente por isso, a pesquisadora Bárbara Rita Cardoso começa a estudar os possíveis benefícios do selênio em portadores do mal de Alzheimer. "Desconfiamos que nesses pacientes os radicais façam maiores estragos", diz ela.
A tireóide também funciona melhor na presença do selênio, acrescenta Christine Thomson. Isso porque, se não houver esse elemento, ela não consegue produzir direito seus célebres hormônios. O mineral também está intimamente associado à capacidade de o organismo se livrar de substâncias tóxicas, ajudando-o inclusive a expulsar possíveis metais pesados que se alojam nas células.
Apesar de tudo isso, o badalado selênio deve ser apreciado com moderação. Quando os especialistas recomendam uma castanha diária, é para segui-lo à risca. Acredite: o conselho não é nem um pouco mesquinho. Esse consumo ideal e comedido é que faz todas essas enzimas que dependem do nutriente trabalharem de forma adequada, diz Bárbara. Em excesso, o selênio não vai potencializar sua ação. E o pior: mais cedo ou mais tarde, o exagero rotineiro vai revelar o lado negro da substância. Sim, ele existe: a toxicidade. Ela acontece se a pessoa ingerir mais de 800 microgramas por dia, adverte Silvia Cozzolino. É que o selênio tem efeito cumulativo, emenda Christine Thomson.
Isso não significa que abusar das deliciosas castanhas em uma happy hour com amigos traga grandes ameaças. De vez em quando, dá até para superar a quantidade recomendada. O perigo é comer essas oleaginosas além da conta todo dia. Quem experimentar ataques sucessivos de gula poderá sentir dor de cabeça, ficar com as unhas fracas e ver seus cabelos caírem. "Mas quem come mais de 6 castanhas hoje não vai se empanturrar delas amanhã", usa a lógica a expert em nutrição Silvia Cozzolino. No máximo, o preço desse pecado será um mau hálito parecido com o bafo de alho, acredite!
Não corre o mesmo risco quem comer, vez ou outra, algum prato que leve a castanha na receita até porque, seja doce ou salgado, dificilmente uma porção reunirá tantas unidades. E saiba: nem o fogão nem a geladeira conseguem detonar as reservas de selênio. No dia-a-dia, nada melhor do que a praticidade de botar na mochila, no bolso ou na bolsa a sua estrela solitária. É saúde na medida certa!
Para chegar à quantidade de selênio de uma castanha-do- pará (de 5 gramas ), você teria que consumir, em média, o equivalente a...
  • 16 pães franceses ( 50 gramas cada um)
  • 100 copos de leite (200 mililitros por copo)
COMIDA ANTITÓXICA
Uma das principais benesses do selênio é a sua capacidade de desintoxicar o organismo. O mineral atua em mecanismos que favorecem a eliminação de metais pesados pelas fezes e pela urina, explica a nutricionista Bárbara Rita Cardoso. Esses metais nocivos, como o mercúrio e o arsênico, ficam impregnados no organismo quando, por exemplo, consumimos peixes de má procedência, que vieram de águas poluídas. E, daí, disparam inúmeros problemas em nossos tecidos, do envelhecimento ao câncer, algo que é freado com o sistema de limpeza acionado pelo consumo da castanha.

SUPLEMENTAÇÃO, A POLÊMICA
A natureza oferece fontes de selênio, mas há quem prefira recorrer às cápsulas. Estudos recentes revelam que isso pode ser bobagem: o melhor seria buscar o mineral na comida mesmo. O selênio dos alimentos é mais bem absorvido pelo organismo, justifica o pesquisador Alexei Lobanov, do Departamento de Bioquímica da Universidade Nebraska-Lincoln, nos Estados Unidos. E, já que a quantidade de que precisamos nem é lá tão alta, a suplementação deveria ficar restrita a casos especiais.
TERRA BOA, FRUTO RICO
A concentração de selênio em um alimento depende do solo em que é cultivado. De acordo com o engenheiro agrônomo José Urano de Carvalho, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a castanheira, nativa da floresta Amazônica brasileira, além de ter uma incrível habilidade para extrair o mineral, comparada a outras espécies, encontra na terra de lá uma enorme quantidade de selênio. Por isso seus frutos são campeões no elemento. As castanhas-do- pará são cultivadas prá valer na região Norte, especialmente no cinturão amazônico, mas o Brasil já não lidera o ranking de produção da oleaginosa. "Hoje é a Bolívia que ocupa o primeiro lugar", revela Urano.