quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Cena XIII- No Algarve, O Baile Mandado do Alex

Estávamos no verão de 1971.
Na altura, construíamos a Marina de Vilamoura.
 A pequena Quarteira daqueles tempos, nada tinha a ver com a cidade que hoje se conhece. Todavia, embora fosse pouco mais que uma pequena vila piscatória, já tinha uma grande afluência de turistas, em especial ingleses. Tinha uns três ou quatro hotéis bem credenciados, a par de alguns bares onde, à noite, se podia ir beber um copo com os amigos, ou as amigas. Por isso, não se estranhava que a administração do complexo turístico “AlgarveSol”, situado mesmo à entrada da, então, vila, organizasse, de vez em quando, uns shows, não apenas para os seus "costumeiros" clientes como para outras pessoas de fino porte.
Naquela noite, o anunciado espetáculo prometia. Era nem mais nem menos do que o Alex. Sim, o ultra conhecido Alex e o seu conjunto. O artista, natural de Portimão, tinha um grande cartel no Algarve, mas não só, porque o grupo acabava de chegar de uma longa tournée em França. Além disso, também fizera uma digressão por Angola, atuando em várias cidades e tendo proporcionado alguns espetáculos aos soldados portugueses, ali em missão.
Os convites foram feitos e os convidados apareceram. De entre eles, estavam os meus chefes, os nossos dois conhecidos engenheiros, Brás Menezes e Analídio Dimas. Contudo, o ser-se convidado não bastava: era preciso entrar rapidamente no seio, salvo seja, daquelas beldades que por ali deambulavam, quem sabe se à procura do mesmo, só que de sinal contrário. Muitas delas, mesmo sabendo que o Alex era um inveterado mariconço, não o largavam da mão. As tipas, meio histéricas, rodeavam o artista e este, que não estava a gostar dos apertos, tentava dispersá-las para longe, porém sem êxito. Famoso é famoso. Tem que possuir estofo para lidar com estas situações, senão mais vale ir trabalhar para as obras, como servente. Ao menos, assim, não há miúda que lhe olhe para a tromba, quanto mais apertá-lo.
Mas agora era tempo de deixar de contemplar, embevecidos, aquele magote de mulheraças e agir. Mudar de tática, era o que se impunha numa ocasião como aquela. Tirar partido do convívio do grupo de fêmeas, através da aproximação ao Alex. Para isso, foram-se aproximando, com pés de lã. Chegados, não foi fácil chegar à fala com o astro, já que o mulherio, embora de modo suave, tentava barrar o acesso ao músico. Mas valeu o esforço. Eles, por fim, lá conseguiram. Como era de ver, os dois amigos estavam-se marimbando para o Alex; o que eles queriam era partilhar convívio com as garotas, mas o experimentado BM também sabia que aquele tipo de indivíduos arrasta consigo muita mulherada, por tal motivo, melhor seria fazer do Alex trampolim e, em seguida, pular para o sexo oposto. Então, falando para o Alex, mas olhando para as miúdas, começaram por se apresentar: quem eram, de onde vinham, onde estavam instalados, etc. Daí para a frente, não importa entrar em pormenores, mas apenas realçar o à-vontade, a facilidade com que eles se movimentavam no meio, e os relacionamentos que conseguiram estabelecer com a imensa plateia feminina, está bom de ver. Estava armado o esquema e a noite ia ser deles.
A certa altura, as músicas tocadas deixaram de ser do tipo rockeiras e twisteiras. Depois de uma fugaz passagem com duas músicas em ritmo algo remexido, de raiz africana, como aquela música do Duo Ouro Negro, a “Elisa Aué, Gomaré Saia”, o Alex terá recomendado aos restantes componentes do conjunto para que entrassem em ritmos mais suaves, mais tipo slow e rumba, pelo que, sendo aqueles somente musicados e não cantados, deram ao vocalista Alex vontade de pular do palco e a chance de, também ele, rodopiar nuns bons passos de dança. O que antes fora baile desgarrado e à vara larga, dera agora lugar ao direito e dever de cada qual se agarrar ao par que conseguisse aliciar. E, para espanto da malta, eis que o Alex avança na direção do BM. Mesmo sem o trivial convite, agarrou-se ao jovem engenheiro, como quem entrelaça uma dama, mais parecendo que aquilo era o da Joana. Ora o engº BM, cuja linhagem tinha sido patenteada para emparceirar com o sexo oposto, não gostou muito da cena e, ao mesmo tempo que tentava libertar-se das garras do atrevidote cantor, que já o enlaçava pela cintura e dera início aos primeiros passos de dança, ouviu deste, este jeito de desabafo:
― Ah preto, preto! – guinchou o Alex.
Esta agora foi a melhor! Preto? O BM teria traços de alguma ascendência indiana, mas daí até ser preto, ia uma colossal diferença. Em boa verdade, o Brás Menezes, com aquela tez amorenada e envergando um esbelto fato branco, originava um tal contraste que, comparando as duas cores, o seu rosto seria bem mais preto que branco... Mas, seja como for, ou fosse como fosse, o certo é que o engº Brás Menezes tinha caído no goto do artista do momento: o cantor Alex. Este, sentindo uma grande fobia pelo sexo oposto, preferia um par masculino. E, ali por aquelas bandas, parece que mais másculo que o BM não era fácil encontrar, daí a escolha do cantor e músico. O tipo tinha grande olho.
Bem, mas a verdade é que, depois de ter passado pelo sacrifício daqueles demorados e intermináveis rodopios nos braços do Alex, o cartel do BM junto das vamps subiu vertiginosamente. Até o sagaz alentejano de Odemira, Analídio Dimas, tirou partido da onda criada pelo seu chefe, agarrando-se, indiscriminadamente, a tudo o que por ali usasse saias. Feias ou bonitas, tanto lhe fazia. Ele, lá nisso, não era esquisito.
Foi o corolário de uma grande noite de borga e folia. Mas folia fina, já que não era qualquer mastronça que entrava naqueles saraus, daquelas noites de verão do "AlgarveSol". Era tudo gente selecionada, de primeira água. Nem os meus chefes se exporiam a outro qualquer cenário, que não fosse de etiqueta.


Extraído de: "DEGRAUS do 2º LANÇO".

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Belo relato! Nem contava com "coisa" diferente!És de facto um grande contador de histórias ZecaZECARIAS!

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