-A última, das 4 vezes, que o engº Henrique Leitão falou comigo-
Na manhã do dia 10 de junho (creio que em 1988), ao ler o JN, deparei com uma notícia que elencava as personalidades que seriam medalhadas nesse dia pelo Presidente da República. Li então que a cerimónia ia ter lugar no Palácio dos Congressos de Braga e nela, além de outros, obviamente, ia participar o engº Henrique Leitão. Ele estava referenciado, como figura a homenagear, na área do Mérito Industrial. Ora, na altura, estando eu a trabalhar e a residir no Porto, portanto ali a dois passos da cidade dos Arcebispos, mal me ficaria se não metesse pés a caminho a caminho de Braga. À data estava eu na obra do Aeroporto Sá Carneiro e já não pertencia à empresa há cinco anos.
É verdade que eu, durante os dezassete anos em que trabalhei nas Construções Técnicas, como tantos outros colaboradores cujas especialidades e funções eram desempenhadas em Obra, não tinha muitas hipóteses de chegar à fala com o fundador das Construções Técnicas, mas isso também não me obcecava, porque, além de sempre ter procurado medir as distâncias e de tentar manter os pés assentes no chão, não fui nunca do género de se pôr em bicos de pés para patrão ver. Mas tudo isto para dizer que, enquanto para as pessoas, cuja base de trabalho era a Sede, seria normal ver e ouvir o engº H.L. no dia a dia, para mim isso era coisa transcendente. Por tal facto, pela raridade, ainda hoje me lembro das quatro vezes que o patrão falou comigo.
A primeira vez foi na Marina de Vilamoura (1972), aquando da sua visita à obra. Depois de me ter visto retirar o carro de debaixo do telheiro (por minha iniciativa), para dar lugar ao seu Mercedes, disse-me que gostava muito da cor daquele meu Fiat 128 grená; na segunda vez foi na obra da Cimpor em Alhandra, quando, no interior do escritório e através da janela, viu o tal Fiat 128, de cuja cor havia gostado dois anos antes. Disse-me ele que aquele pó do clínquer, de tão agressivo, me iria dar cabo da pintura do carro; da terceira vez que o engenheiro H. L. me dirigiu a palavra, foi em Marrocos. Tinha ele regressado do Brasil, onde esteve exilado. Foi uma autêntica festa aquela sua ida à obra da C.I.O.R, em Marrocos. Até a "Carga da Brigada Ligeira" marroquina atuou nesse significativo evento. Mas então, dizia eu que, nesta terceira vez, quando o engº H.L se deslocou mesmo ao cerne da obra e se encontrou comigo, ouvi assim da sua boca:
- Estou feliz por vir encontrar aqui muito boa gente! Também já estive, lá em cima, no escritório, com o Rogério Feio e com o Pedroso.
Pareceu-me um desabafo com alguma ponta de emoção.
Agora vou concluir como comecei: com a cerimónia da sua condecoração com a Medalha de Mérito Industrial, naquele dia 10 de junho, em Braga.
Assisti, calmamente, a parte do cerimonial, mas quando, a certa altura, ouvi a chamada e a apresentação do engº Henrique Leitão para ser agraciado pelo Presidente M. Soares, com aquele galardão, senti um tal arrepio, que ainda hoje o sinto quando dele me lembro.
Terminada que foi a cerimónia, dirigi-me ao parque de estacionamento e aí cumprimentei e conversei, por uns momentos, com o engº H.L. e seu filho João Pedro, sendo este o próprio condutor da viatura. Foi esta a quarta, e última vez, que ouvi a fala do grande timoneiro daquela GRANDE ESCOLA que foram as CONSTRUÇÕES TÉCNICAS.
segunda-feira, 29 de julho de 2013
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Cena XI - Cerveja na Cimpor - Alhandra (1975)
- Cerveja? Nem com,
nem sem... cartão -
Nem só de sagas passadas com o
Santos, o Damas e outros estupores da Comissão, se faziam momentos de
descontração na obra da Cimpor, em Alhandra. Havia aqueles que gostavam de rir à custa dos outros e,
para isso, inventavam as mais estapafúrdias estórias, como aquela dos cartões, espécie de salvo-conduto,
que habilitavam a malta a beber cerveja a 50% do preço.
Na obra não tínhamos bar. Quem
quisesse matar a sede ou lubrificar a garganta empoeirada pelo pó do clínker,
tinha de o fazer com água quente da torneira, a não ser que pegasse no corpo e
fosse até à tasca mais próxima, dentro da vila de Alhandra. Mas aqui era
perigoso porque, ou se era membro da Comissão, e então estava isento de
quaisquer compromissos laborais, ou então corria sérios riscos de se candidatar ao
saneamento, vendo o seu nome escarrapachado no Plenário.
Aproveitando a onda, o que fizeram
uns bacanos? Para atender às queixas e lamentos dos capatazes Arnaldo Russo e
Armando Mota, que, amiúde, contestavam a lei seca instituída, deram-lhes a conhecer
uma modalidade que estaria em vigor no bar da Cimpor e que, de uma forma usual,
já era há muito utilizada pelos próprios operários da Fábrica. Para isso,
incentivaram os interessados a dirigir-se ao escritório, à secção de Controlo
e, aí, solicitariam ao José Maria Custódio, um cartão que os habilitasse a
entrar no bar da Cimpor, onde, num ambiente de ar condicionado e contra o
pagamento de, apenas, 50% do preço, poderiam beber cerveja à vontade. O cartão,
esse, era fundamental: era assim como uma espécie de livre-trânsito. Mas
atenção: nem toda a gente tinha direito a tal benesse; dentro de uma escala
hierárquica, só capatazes e encarregados podiam usufruir desse bem. Era o que
mais faltava, ver aquela amálgama de gente da obra – cerca de 500 fulanos - sem
dote nem porte, a entrar por ali adentro, conspurcando pavimentos de mármore,
tapetes de sisal e cadeiras de napa, com aquelas botifarras e calçorras todas cagadas de pó ou lama,
conforme a meteorologia exterior. Por isso, no dizer dos informadores, só gente
de outra categoria, com porte acima da média, podia aceder àquele espaço.
O Custódio, já prevenido,
arranjou-lhes dois cartões do ponto do pessoal e apondo-lhe um qualquer
carimbo, fez a entrega aos interessados.
Munidos dos respetivos
salvo-condutos, lá foram os dois capatazes a caminho daquele lugar, que lhes
tinha sido descrito como um oásis dentro daquele inferno, que era a Fábrica da
Cimpor. Embora a distância fosse curta, o caminho era cheio de labirintos e,
pelo intrincado percurso, foi preciso ir perguntando, a quem encontravam, onde
ficava o tão ansiado bar que, segundo lhes tinham dito, além de ter ar condicionado,
mesas, cadeiras forradas a napa, onde se podiam sentar um bocado e ter cerveja
a metade do preço, também tinha, à entrada, para receber e dar as boas-vindas
aos potenciais clientes, uma jovem rececionista morenaça e boa como o milho.
Subida que estava a escadaria até ao
primeiro andar, logo vislumbraram a tal brasa que, agora ali ao vivo e a cores
– ela vestia de veludo vermelho e preto – ainda se lhes afigurava melhor do que
aquilo que antes lhes fora dito.
O Arnaldo, sendo o mais expedito, tomou
a dianteira, acercou-se da beldade e, com isso, estabeleceu-se o seguinte diálogo:
—
Boa tarde, menina! – cumprimentou o Arnaldo Russo.
—
Boa tarde, senhores! – respondeu a rececionista.
—
Quem são e o que pretendem os senhores? – indagou a menina.
—
Somos empregados das Construções Técnicas e, como pode ver, temos aqui as
nossas credenciais para ir ao bar beber cerveja. – disseram, em uníssono.
Estupefacta,
a menina nem sabia se havia de rir se de chorar. E tentando controlar-se e
manter a postura, questionou:
—
Ir ao bar beber cerveja? Mas que cartões são estes e quem é que vos disse que
podiam aqui entrar, ainda para mais, para beber cerveja?
O
Armando Mota, de garganta sequiosa q.b., empertigou-se e justificou:
—
Então, os cartões são das Construções Técnicas, e como somos ambos capatazes da
empresa, deram-no-los, na Secção de Controlo, dizendo que os cartões serviam
para esta nossa pretensão.
A
jovem senhora, vendo que aquela farsada era um embuste que alguém da obra tinha
pregado aos dois empoeirados e sequiosos capatazes, tratou de os informar de que
o bar era exclusivo dos técnicos da Fábrica, por isso, com ou sem cartões, as
pessoas estranhas à Cimpor não poderiam ter acesso àquele espaço.
Acabrunhados,
descoroçoados e desiludidos os dois comparsas deram meia volta, desceram a
escadaria e juraram vingança a quem, despudoradamente, os tinha metido naquela alhada. E nem o facto de terem regalado o olho à custa da beldade da receção, lhes
serenou os ânimos.
Foi
uma semana negra para estes dois ingénuos, que tiveram que ouvir, na obra e fora dela, todo
o tipo de piadas e gozações.
Nestas coisas, no campo das inovações, na fase experimental, alguma coisa, ou alguém, tem que ser a cobaia! O Russo e o Mota, mesmo sem querer, foram os predestinadas para tal fim. E, para eles, ainda bem, porque, se assim não fosse, já hoje não eram aqui recordados, com saudade.
Nestas coisas, no campo das inovações, na fase experimental, alguma coisa, ou alguém, tem que ser a cobaia! O Russo e o Mota, mesmo sem querer, foram os predestinadas para tal fim. E, para eles, ainda bem, porque, se assim não fosse, já hoje não eram aqui recordados, com saudade.
Soube, mais tarde, que o capataz Zé Luís Pirralho, (um
alentejano de Cabrela) que foi o promotor da farsa, teve a distinta colaboração
do controlador Zé Maria Custódio, (um alentejano de S. Teotónio). Mesmo fora da
época carnavalesca, o episódio teve larga repercussão, dentro e fora da obra.
Extraído de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", VOL.II
segunda-feira, 22 de julho de 2013
Cena X - Em C.T. (1968) - O Manuel Rodrigues versus Peres -

Após a saída do encarregado geral Ribeiro de Azevedo desta autónoma Frente de Trabalho - Tomada de Água - e terminada que estava a Chaminé, foi o Sr. Manuel Rodrigues - encarregado de 1.ª - destacado para chefiar este setor, na margem direita do rio Tejo.
Este
novo dirigente, no sentido de fazer vincar um certo tipo de conduta no que concernia ao relacionamento com os seus colaboradores e, com ela, fazer a diferença para o seu antecessor Ribeiro de Azevedo, gostava de mostrar que o seu dedo era a nova batuta que, a partir de agora, comandava as hostes na Tomada de Água. Tanto assim era, que evidenciava essa sua atitude a cada passo. E para que não restassem dúvidas, sempre que pretendia vincar o seu apego e fidelidade
à empresa, invocava-o deste modo:
—
Eu sou Construções Técnicas, vivo das Construções Técnicas e para as Construções
Técnicas!
O
Manuel Rodrigues, para não desafinar muito com o (mau) clima reinante entre
encarregados antigos e técnicos novos, impunha-se de modo agressivo e não dava
tréguas ao desenhador que, por azar deste, tinha sido designado para, em obra,
dar apoio técnico ao encarregado do ferro,
nas complexas montagens das Armaduras nos elementos a betonar. O técnico
desenhador era o Peres, um rapaz oriundo da zona de Castelo Branco, mas
residente em Lisboa. Ora o moço, para desempenhar a sua missão, não podia estar
o dia inteiro de pé, de projetos, bloco e caneta nas mãos, como se compreende;
até porque os desenhos a consultar, em simultâneo, eram três, a somar às folhas de Pormenores de Varões. Então o Peres, sentado
numa qualquer peça de madeira, desempenharia a sua função de modo
muito mais eficaz, do que estar para ali a fazer uma espécie de penitência, só para agradar aos caprichos do encarregado. Mas o Rodrigues é que não aceitava aquele porte que, para ele, era
uma afronta aos bons costumes e tradições das Construções Técnicas. Então, para que a sua linha doutrinária fosse seguida por todos
os que o escutavam, argumentava assim:
—
Eu sou Construções Técnicas, vivo das Construções Técnicas e para as
Construções Técnicas! Por tudo isso, não posso permitir que você esteja a
trabalhar sentado, dando um mau exemplo aos trabalhadores.
O
Peres, cheio de paciência, respondia:
—
O senhor não tem a mais pequena noção do trabalho que eu estou a fazer, pois não? Já viu
a parafernália de desenhos e pormenores que tenho que consultar e ditar para o
Gabriel? Como é que eu posso estar de pé durante todo o dia a fazer o meu trabalho?
O
Manuel Rodrigues, a caminho do seu escritório, ia dizendo a quem com ele
cruzava:
—
Vocês vão ver como é que vou lixar o gajo!
Vou fotografá-lo a trabalhar sentado e mando os retratos para a Sede, para o
engenheiro Cabrita.
Parvoíce
do encarregado. Então ele sabia que a sua entrada na Tomada de Água, tinha sido
mal recebida pela maioria dos que já lá trabalhavam sob o comando do Ribeiro
Azevedo, e vai dizer, em voz alta, o que pretendia fazer ao Peres? Como se
compreende, houve logo um bufo que alertou o desenhador para a tramoia que lhe
iria ser preparada.
Agora, era ver o Manuel Rodrigues com a máquina fotográfica escondida, atrás das costas, a deslocar-se, pé ante pé, pelas esquinas dos pilares, para ver se apanhava o Peres em flagrante. É claro que nunca o conseguiu. Porque este, já avisado, de cada vez que via o detetive entrar na zona na do raio de ação da Polaroid, levantava-se, disfarçava assobiando para o lado, como se não fosse nada com ele. Foi um jogo do gato e do rato que terminou com a vitória do Peres, devido à falta de subtileza e astúcia do Rodrigues.
Agora, era ver o Manuel Rodrigues com a máquina fotográfica escondida, atrás das costas, a deslocar-se, pé ante pé, pelas esquinas dos pilares, para ver se apanhava o Peres em flagrante. É claro que nunca o conseguiu. Porque este, já avisado, de cada vez que via o detetive entrar na zona na do raio de ação da Polaroid, levantava-se, disfarçava assobiando para o lado, como se não fosse nada com ele. Foi um jogo do gato e do rato que terminou com a vitória do Peres, devido à falta de subtileza e astúcia do Rodrigues.
Extrato de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", VOL. II
Obs. Para que as Memórias dos dois protagonistas desta "cena" , se conservem nos nossos pensamentos.
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Cena IX - As C.T. no INATEL (1975/1976)
O Futebol das C.T. no difícil INATEL
Texto extraído do VOL. II, de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA"
Para
desanuviar a mente e limar o físico, aceitei participar na equipa de futebol de onze, das Construções Técnicas. A empresa estava inscrita, e ia participar, no
campeonato do INATEL do distrito de Lisboa (1975-1976) e, além da malta da Sede
e do Estaleiro Geral de Alverca, também contavam com gente da obra de Alhandra.
Eis
alguns nomes de quem me lembro:
Dirigentes:
Revés; Pedroso; Salvado
Treinador:
Mário
-
da Sede: Gerardo, Caldeirinha, Pires, Vítor Reis, Talidomida, Fernando (Pechincha)
e Olivério.
-
do Estaleiro: Vítor Ramos e Abreu.
- da obra de Alhandra: Rogério Feio, Caria Luís, Cartaxo[1],
Virgílio Ramos, Valada, Armindo, Mário, Vinagre e o “Aranha Negra”.
Aquele
cromo do “Aranha Negra” era o capataz Monteiro que, em certo jogo, insatisfeito
com o lugar de suplente que lhe fora atribuído, e após ter visto o Gerardo dar
um valente frango, desatou aos murros no banco, gritando:
―
Eh pá! O que é isso? Eu cortava já os tomat..s se alguma vez dava um
frango desses!
Atónito
perante tal cena, o seccionista Manuel Pedroso, que hoje – por impedimento do
Mário - acumulava com as funções de treinador, deu ordem de saída ao Gerardo e
fê-lo substituir pelo Monteiro. Em conclusão digo que, do resultado de 3-3,
passámos a 3-6 em pouco mais de vinte minutos. O guardião, de preto vestido e a
quem nesse dia – talvez pela semelhança do equipamento com o russo YASHINE -
os espetadores apelidaram de “Aranha Negra”, de cada vez que se lançava ao solo levantava uma
tal nuvem de poeira que ninguém mais via a bola, a não ser... no fundo das redes. É que o diabo do Monteiro tinha a promessa do treinador Mário de que seria ele o titular da baliza, pelo menos naquele jogo. Ora, devido a qualquer falha na transmissão de poderes, que ocorrera na véspera, entre o Mário e o Pedroso, toda a desorganização descambou em goleada. Foram "só seis", porque a hora já ia adiantada, senão, se aquele keeper tivesse jogado desde o início, ninguém duvidava que os nossos adversários, mesmo a passo, teriam chegado à vintena.
Era
um campeonato por séries, muito disputado. De tal modo assim era que, entre
doze equipas, não fomos além do quinto lugar, tendo ficando, desde logo,
arredados da lista dos dois apurados em cada série. Pelo menos deu para
conhecer (superficialmente) outras equipas e outras
gentes; algumas de mau porte, como eram os jogadores da Calçada dos Mestres, do Tenente Valdez e do
Sindicato do Estivadores que, para eles, desporto sem umas valentes murraças, não
era desporto nem era nada.
No
defeso, chegámos a deslocar a Vale da Pinta, onde jogámos contra a União, tendo
nós CT vencido por 3-1. Mas foi mais um jogo para convívio e justificar umas
sandes e uns copos, nada mais.
Texto extraído do VOL. II, de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA"
quarta-feira, 17 de julho de 2013
Cena VIII - Na Despedida da Dª Nazaré (1969)
Jantar de Pré-Revolução na "Casa do Alentejo"
A
assistente social das Construções Técnicas, Dª Nazaré, fora designada para
fazer parte da estrutura da delegação da empresa em Angola. Ela era uma pessoa
muito agradável, de trato fácil e sempre disposta a colaborar com toda a gente,
independentemente da categoria profissional de cada um. Então, de modo a
prestar homenagem e manifestar apreço pelo modo como exercera a sua atividade,
nada melhor que presentear a senhora com uma festa de despedida.
Não
estou bem certo das pessoas que organizaram a festa, mas não devo andar muito
longe da realidade se avançar com os nomes da esquerda avançada das C.T, mesmo
antes do 25 de Abril. Seriam o engº Brás Menezes; o dr. Vítor Ramalho; o fotógrafo
Eduardo Franco e o jornalista da casa, Carlos Alberto Correia. O local
escolhido foi a Casa do Alentejo, ali em plena baixa lisboeta. Com um acolhedor
ambiente, o vasto salão de festas, no primeiro andar, era o cenário ideal para
que se desse largas à imaginação de cada um: a discursar; manjar e, depois, em
jeito de remate, entoar algumas melodias da moda. Desde que não ferisse os
ouvidos ou a sensibilidade dos presentes, todo o resto valia. Mas não
especulemos: no fim, logo se veria.
No
repasto, é possível que tenham estado presentes mais de uma centena de pessoas,
mas isso não era o mais importante. O que importava era o reconhecimento e o
carinho que todos queriam demonstrar à senhora. Depois de os promotores terem
oferecido à Dª Nazaré um esbelto ramo de flores, alguns convivas usaram da
palavra, evocando a qualidade da ação desenvolvida pela homenageada, ao longo
dos anos.
E
para que a festa terminasse em apogeu, alguém ligado à organização e com
tendência para a irreverência e rebeldia, irrompeu com as “Janeiras”, para prosseguir
com: “Vejam
bem” e terminar, de modo brusco, com a “Pedra Filosofal”, do
António Gedeão. Porquê, bruscamente? Porque, na época, aquelas cantigas de
intervenção e protesto estavam proibidas. Quem se atrevesse a cantarolá-las,
independentemente do bom ou mau timbre de voz, sujeitava-se a ir, de charola,
passar uma temporada numa cadeia especialmente dedicada aos irreverentes ao
regime. E quando alguém, a sério ou em jeito de brincadeira de maus gosto, cochichou
que de dois fulanos, de fato e gravata, com cara de agentes da polícia secreta,
estariam a rondar a porta de entrada, o grupo de cantores de ocasião, achou que
a serenata ficaria por ali, não fosse alguém ter que ir fazer a digestão do
jantar para a António Maria Cardoso.
Quanto
a mim, o ambiente tornara-se pesado, e eu já estava a ver quando é que os
estranhos engravatados subiam aquela escadaria para deitar a luva a alguns de
nós. Foi um fim de festa um tanto ou quanto anárquico, mas todos: promotores,
homenageada e homenageadores, saíram dali ilesos e livres, creio que devido à
sensata e atempada desmobilização do sarau musical.
Extrato de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", Vol. II
Extrato de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", Vol. II
segunda-feira, 15 de julho de 2013
Cena VII - O Muleta Negra no Carregado
Onde se fala de
cromos, excêntricos e golpistas
À
semelhança do que acontecia nas outras obras onde trabalhei na adolescência, já
relatadas no Volume I, também nestas apareciam aqueles indivíduos que, por isto
ou por aquilo, patenteavam uma certa excentricidade; porque fugiam ao comum
comportamento do cidadão normal, eram rotulados de cromos, excêntricos ou morcões.
Durante a minha estada nesta obra, entre 1966-1969, muitas peripécias ocorreram,
mas seria fastidioso esmiuçá-las todas. Esta, que se segue, é a que, por agora, pretendo
realçar.
Este nosso amigo era um fulano que se chamava Artur Santos, mas
que toda a gente o conhecia por Muleta Negra. Era assim alcunhado
devido a dois fatores: um, porque ele funcionava como muleta no suporte à
empresa, em termos de angariação de pessoal para as obras, e como a sua tez, por
demais negra, devido ao surro, era evidente… O outro motivo, terá sido devido ao facto de
existir na altura um toureiro de meia-tijela, que apareceu por aí com aquele
pseudónimo. De tão fraco ele era, que desapareceu de cena tão lesto como aparecera. Este
Santos tinha como função principal percorrer certas zonas do país, na
angariação de mão-de-obra para as obras em curso. Ele tinha um prémio de 50$00
por cada trabalhador que apresentasse no escritório da obra do Carregado,
para isso, e para facilitar a mobilização, ele prometia mundos e fundos que,
como se depois se constatava, não poderia garantir. Por isso é que, de vez em
quando, ele aparecia na obra com os olhos amarrotados e, ao vê-lo naquele estado, já todos sabiam
que a gama de aparelhos de televisão, frigoríficos, tratamento de roupas e até mulheres,
por ele prometidas, não tinham sido distribuídas pelas Construções Técnicas aos trabalhadores por ele angariados.
O
Muleta
Negra, vindo de uma obra da Somague, creio que da Barragem do
Carrapatelo, queria fazer crer a todos com quem falava que, antes de ser
barragista, fora empregado da Citroen, em França, onde tinha a profissão de experimentador
de carros. Ora eu estou em crer que este mentiroso compulsivo, nem um Dumper
sabia conduzir, quanto mais um Citroen boca-de-sapo…
O
Santos protagonizou outros episódios, noutras obras que, a seu tempo, serão narrados.
Extrato do VOL.II de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA"
quinta-feira, 11 de julho de 2013
Cena VI - Um Mustaphá Enjoativo
-
Um francês saturado de tanto “Mustaphá” -
Na obra das Construções Técnicas, na Central Termoelétrica do Carregado, havia uma equipa de franceses, funcionários da "Bergeron", que tinha a seu cargo a montagem da Estação Elevatória da Tomada de Água e da 2ª Estação de Bombagem. Eram
eles o Robert, que era o chefe, o Charles e o Jacques. O meu chefe, Virgílio Picanço, encarregado geral da zona da Central, homem com muitos anos de Marrocos e de França e, como tal, falava bem a língua de Vítor Hugo, passava por lá, pela 2.ª Estação de Bombagem
e entretinha-se um bocado na conversa com eles. Também eu, como subordinado do Picanço, por lá passava todos os dias, já que era pessoal da minha equipa que dava apoio de construção civil àquela empresa francesa. Por isso, foi com toda a naturalidade que se estabeleceu um clima bastante cordial entre nós C.T. e a Bergeron.
Ainda que qualquer dos gauleses bebesse bem, o
Robert, que era o chefe e tinha que dar o exemplo, era o que bebia mais. Era quase sempre brandy Sandeman, bebido
pela garrafa, cujo gargalo, desde cedo, começava a inclinar. Pelos vistos e pela quantidade, dava a impressão de que aquilo seria o aperitivo para o almoço, para o lanche e, também, para o jantar. Esta equipa
francesa jantava num restaurante do Carregado, "O Calçada", onde trabalhava o Alexandre, um rapaz transmontano que, anos depois, se estabeleceu no Cartaxo, e onde, ainda hoje, explora um restaurante com o nome de "O Transmontano".
Ele conheceu-os bem, especialmente nas noitadas em que tinha que se manter a pé, até fora de horas, a aturar aquelas esponjas. A título informativo, também direi que o cartaxeiro António Simão, operário das C.T., trabalhou, a partir daqui, com esta equipa francesa, durante alguns anos, em vários países de África.
Uma
vez, convidara-me para jantar com eles nesse tal restaurante do Carregado, a fim de comemorar já nem sei o quê. No fim do repasto, já
em ambiente de copofonia, cai na
asneira de divulgar aos fulanos que, há dois anos atrás, fora vocalista de um conjunto Pop e, por isso, até sabia umas canções francesas, daquelas que estavam em voga. Resultado: nunca
mais me deixaram em paz enquanto não comecei a cantarolar. Comecei pelo “Tchim,
Tchim, a la Santé”, de Richard Anthony, que foi amplamente aplaudida. Para segunda canção escolhi "Donne Moi Ma Chance", do mesmo cantor, que, tal como a primeira, foi recebida com calorosos aplausos; depois, em jeito de remate, arranquei com “La Salsa del
Pomodoro”. Esta, que era a canção em que eu mais confiança depositava, ficou-se pela intenção.
Foi mesmo um sol de pouca dura, porque o Robert, já pingado, interrompeu a minha interpretação, alegando que, de bom grado, escutaria tudo o que eu quisesse cantar: desde um qualquer Fado, até uma qualquer canção de "Mireille Mathieu"; Johnny Halliday; Charles Aznavour, ou mesmo do mal afamado Antoine... todas, menos esta, que falava insistentemente no Mustaphá até à exaustão. E o Robert, espumando da boca, dispôs-se a explicar o porquê de tanta aversão.
Trabalhara ele, há uns três anos atrás, num empreendimento industrial em Marrocos, mais propriamente na Mohammedia, perto de Casablanca. Quando aí alugou um T0, numa residencial airosa, na zona baixa da cidade, estava longe de supor que o Alá lhe tinha reservado um lugarzinho mesmo nas entranhas do Inferno. É que, mesmo por debaixo daquele vistoso apartamento, jazia um Bar. Mas não era um Bar qualquer, já que, tendo em conta que se tratava de um país muçulmano, aquele estabelecimento tinha um horário por demais alargado. Pudera, era propriedade do chefe da polícia local... É verdade. Num Bar que abria à meia-noite e fechava às cinco da matina, uma das novidades, que servia de passatempo e chamariz para a clientela, era uma "moderna" máquina de discos, que não parava de tocar toda a santa noite e madrugada. Mas o principal problema do Robert não apenas o ruído em si, mas, pior que isso, era a cantilena que era quase sempre a mesma, isto é, "vira o disco e toca a mesma". Dava a impressão, que não havia outra música no raio da maquineta senão a que falava do diabo do Mustaphá. É evidente que o Robert, depois daquele massacre de umas quantas horas em branco, só conseguia pregar olho lá para perto das quatro ou cinco da manhã. Mas, segundo me disse o francês, o pior, o que mais o incomodava, era o facto de o disco tocado ser quase sempre o mesmo. Estava mesmo a ver-se, que a música preferida daqueles marroquinos que frequentavam o bar era aquela da “La Salsa del Pomodoro”, criação do Bob Azzam e cujo refrão fala do Mustaphá, repetindo-o vezes sem conta: "Mustaphá, ya Mustaphá.... Dizia-me o nosso amigo Robert, que ainda tentou convencer o proprietário do Bar a vender-lhe o disco por bom dinheiro, coisa que o outro não aceitou. Se aquela era a música preferida da clientela, como é que o dono ia desfazer-se do disco e sujeitar-se a que a casa ficasse às moscas? Mas a verdade é que o Robert tinha razões de sobra para odiar, para sempre, aquele maldito disco.
Voltando à realidade, demo-nos conta de que o nosso jantar já tinha sido digerido fazia tempo, e que, de tanto se falar em Mustaphá, Marrocos, Ramadão e mais as secas areias do deserto, foi sem estranheza que vimos o Robert ordenar ao Alexandre que trouxesse três garrafas de Champagne, para ser bebido por aquelas sequiosas gargantas, ao improvisado som da "Marselhesa". Mas... Mustaphá, jamais!
Autor: José Caria Luís
Obs. Texto extraído do Vol. II do "DEGRAUS e MARCOS da VIDA".
Foi mesmo um sol de pouca dura, porque o Robert, já pingado, interrompeu a minha interpretação, alegando que, de bom grado, escutaria tudo o que eu quisesse cantar: desde um qualquer Fado, até uma qualquer canção de "Mireille Mathieu"; Johnny Halliday; Charles Aznavour, ou mesmo do mal afamado Antoine... todas, menos esta, que falava insistentemente no Mustaphá até à exaustão. E o Robert, espumando da boca, dispôs-se a explicar o porquê de tanta aversão.
Trabalhara ele, há uns três anos atrás, num empreendimento industrial em Marrocos, mais propriamente na Mohammedia, perto de Casablanca. Quando aí alugou um T0, numa residencial airosa, na zona baixa da cidade, estava longe de supor que o Alá lhe tinha reservado um lugarzinho mesmo nas entranhas do Inferno. É que, mesmo por debaixo daquele vistoso apartamento, jazia um Bar. Mas não era um Bar qualquer, já que, tendo em conta que se tratava de um país muçulmano, aquele estabelecimento tinha um horário por demais alargado. Pudera, era propriedade do chefe da polícia local... É verdade. Num Bar que abria à meia-noite e fechava às cinco da matina, uma das novidades, que servia de passatempo e chamariz para a clientela, era uma "moderna" máquina de discos, que não parava de tocar toda a santa noite e madrugada. Mas o principal problema do Robert não apenas o ruído em si, mas, pior que isso, era a cantilena que era quase sempre a mesma, isto é, "vira o disco e toca a mesma". Dava a impressão, que não havia outra música no raio da maquineta senão a que falava do diabo do Mustaphá. É evidente que o Robert, depois daquele massacre de umas quantas horas em branco, só conseguia pregar olho lá para perto das quatro ou cinco da manhã. Mas, segundo me disse o francês, o pior, o que mais o incomodava, era o facto de o disco tocado ser quase sempre o mesmo. Estava mesmo a ver-se, que a música preferida daqueles marroquinos que frequentavam o bar era aquela da “La Salsa del Pomodoro”, criação do Bob Azzam e cujo refrão fala do Mustaphá, repetindo-o vezes sem conta: "Mustaphá, ya Mustaphá.... Dizia-me o nosso amigo Robert, que ainda tentou convencer o proprietário do Bar a vender-lhe o disco por bom dinheiro, coisa que o outro não aceitou. Se aquela era a música preferida da clientela, como é que o dono ia desfazer-se do disco e sujeitar-se a que a casa ficasse às moscas? Mas a verdade é que o Robert tinha razões de sobra para odiar, para sempre, aquele maldito disco.
Voltando à realidade, demo-nos conta de que o nosso jantar já tinha sido digerido fazia tempo, e que, de tanto se falar em Mustaphá, Marrocos, Ramadão e mais as secas areias do deserto, foi sem estranheza que vimos o Robert ordenar ao Alexandre que trouxesse três garrafas de Champagne, para ser bebido por aquelas sequiosas gargantas, ao improvisado som da "Marselhesa". Mas... Mustaphá, jamais!
Autor: José Caria Luís
Obs. Texto extraído do Vol. II do "DEGRAUS e MARCOS da VIDA".
terça-feira, 2 de julho de 2013
Cena V - Nas C.T. (1966) - Os Três Mosqueteiros Contra o Rosa Preta

-
O trio: Muleta Negra, Baldaia e o Bigodes –
Longe
dos grandes centros, aquela malta, em termos de divertimento, não tinha muito
por onde escolher. Pelo menos durante a semana não tinham alternativas à taberna
e casa de pasto do Sabino ou à do Machado, na minúscula povoação da Vala do
Carregado.
No Sabino, já eles não paravam tanto, porque
este atlético chauffeur de camião, ex-jogador de futebol e com um caparro[1]
que metia respeito, malhava nos desordeiros sempre que a isso o obrigavam. O
Machado, já mais velhote e meio abatido fisicamente, tolerava, com brandura, os
comportamentos menos cívicos que os clientes mais excêntricos teimavam em adotar.
Com
especial destaque para este trio, era então na tasca do Machado que se passava o serão.
Ora contando anedotas, ora cantando, jogando à sueca ou a armar desordem, era
como se estivessem em suas casas. No entanto, os clientes do Machado não eram
apenas trabalhadores da obra; os moradores locais também passavam ali uns
bocados de serão, a jogar cartas. Um deles, o vizinho Rosa Preta, pescador de profissão e ex-guarda redes do Benfica que, devido aos muitos anos de vizinhança e assiduidade, era considerado pelo Machado como se fosse da casa.
Basta dizer que, de cada vez que o Rosa precisava "molhar o bico", não fazia o Sr. Machado perder o seu precioso tempo, já que ele próprio se deslocava até ao barril e deste vertia para a caneca a quantidade de tintol que considerava suficiente para satisfazer a sua momentânea gula. Tudo em família, portanto.
Aos
sábados, dias em que se recebia a semanada, a noite trazia sempre engulhos
tais, que o Sr. Machado sentia que, em cada um que passava, lhe roubava, se não
anos, ao menos meses de vida.
E
foi assim que, naquele conhecido mau ambiente, teve início mais uma saga
noturna. Desta vez, os protagonistas do espetáculo, para não variar, foram os mesmos do costume,
exceto o ex-desportista que, por ser considerado como fazendo parte da mobília
da casa, evitava meter-se em sarilhos.
Quando
o trio de Mosqueteiros entrou na taberna, deu para perceber que a paz do Senhor… Machado tinha
os segundos contados. O Muleta Negra
(Artur Santos) e o Raul Baldaia, em passo lento, caminharam ambos rumo ao balcão, onde se
encostaram aguardando atendimento. O terceiro do grupo, o Bigodes, que era carpinteiro da equipa do Daniel, situou-se no
espaço livre entre mesas. Com uma certa destreza manual, começou a ensaiar um
estranho rodopio com aquela bengala que costumava usar como talismã, ao mesmo
tempo que berrava para os circunstantes:
―
Calai-vos gandulos, se não, f***-vos a
cornia!
O
Sr. Machado, receando que aquele discurso viesse a ferir algumas suscetibilidades,
rogou, com voz trémula, ao recém-chegado para que se acalmasse, moderasse a
linguagem e terminasse com aquelas manobras da bengala, mas o Bigodes não o ouvia e voltava a repetir:
―
Calai-vos gandulos, se não, f***-vos a
cornia!
O
nosso conhecido Rosa Preta, que
estava num pacato jogo de cartas, começou a impacientar-se e levantou-se. Já de
pé, interrompeu aquelas frases obscenas, dizendo ao Bigodes:
―
Ó chefe! Pare já com essa linguagem; não repita mais isso!
Como
resposta, ouviu assim, por parte do provocador:
—
Cala-te aí já, ó gandulo, se não, f***-te a
cornia!
O Rosa nem pestanejou: ao mesmo tempo que lhe
arrancava a bengala da mão, espetou-lhe uma valente cabeçada na testa, atirando
com o bengaleiro, via porta da rua,
para a valeta. Ainda assim, o Rosa achando que o serviço ainda não estava
terminado, aprestava-se para sair ao encontro do prostrado Bigodes, quando o Raul Baldaia e o Muleta Negra se entrepuseram entre ombreiras, tentando barrar-lhe o
caminho. O Baldaia, talvez para amedrontar e conter o avanço do Rosa, berrou:
—
Quem quiser vater no Vigodes[2],
tem que passar por cima do meu cadábel!
Foi
então que o Rosa Preta, de um salto,
cilindrou os cadábeles aos defensores do Vigodes, enquanto este se
esforçava para se levantar e ir retaliar sobre o seu agressor. O homem da
bengala (agora sem ela), aproveitando o facto de o Rosa estar ocupado com os outros dois, levantou-se
e, puxando de uma navalha de ponto e mola, gritou:
—
Agarrem-me! Agarrem-me, senão eu dou um traço[3]
no gajo!
Agora,
era ver o Santos e mais o Baldaia a tentarem segurar o Bigodes, só que este,
sentindo-se agarrado, mudando de tática e de discurso, gritava:
—
Não me agarrem! Não me agarrem que ainda é pior! Vós nem sabeis daquilo que sou capaz de fazer!
Deslarguem-me,
senão dou um traço num!
E
os dois amigos deslargaram mesmo o Bigodes, deixando-o à mercê do Rosa Preta. E
para terminar a noitada, que já ia longa, teve que o Rosa Preta dar um chuto na
navalha e dois murros no toutiço do seu dono. Mas o mais curioso é que a esta
última cena já não assistiram nem participaram os dois comparsas Raul Baldaia e
o Artur Santos que, aproveitando uma falha na vigilância, se tinham posto ao
fresco, em passo de corrida, a caminho das casernas das Construções Técnicas.
Na
segunda-feira de manhã, quando, na obra, cada um dos Três Mosqueteiros foi questionado pelo encarregado Picanço acerca das mazelas e nódoas negras que evidenciavam na cara,
respondiam argumentando que tinham caído na linha do comboio, quando, na escuridão da noite, tentavam
atravessá-la.
Segundo
constou, o trio, depois deste famigerado episódio, terá optado por frequentar
outras paragens, outros locais, desde Vila Nova da Rainha, Alenquer... até em Vila Franca de Xira chegaram a abancar, mas retornar à Vala do Carregado, estava fora de hipótese. Ao fim e ao cabo, o que eles queriam era estarem precavidos contra qualquer "Rosa" espinhosa, garantindo que, ali por perto, não haveria um
qualquer guarda-redes na reforma, mas em forma, como era o caso do Rosa Preta. Para vexame e porrada, já bastava a que os vitimara na última sessão na tasca do Machado. Elas não mataram, mas moeram que se fartaram!
Subscrever:
Mensagens (Atom)