segunda-feira, 22 de julho de 2013

Cena X - Em C.T. (1968) - O Manuel Rodrigues versus Peres -


- Quando Trabalhar Sentado era um Escândalo -
 

 Após a saída do encarregado geral Ribeiro de Azevedo desta autónoma Frente de Trabalho - Tomada de Água - e terminada que estava a Chaminé, foi o Sr. Manuel Rodrigues - encarregado de 1.ª - destacado para chefiar este setor, na margem direita do rio Tejo.
Este novo dirigente, no sentido de fazer vincar um certo tipo de conduta no que concernia ao relacionamento com os seus colaboradores e, com ela, fazer a diferença para o seu antecessor Ribeiro de Azevedo, gostava de mostrar que o seu dedo era a nova batuta que, a partir de agora, comandava as hostes na Tomada de Água. Tanto assim era, que  evidenciava essa sua atitude a cada passo. E para que não restassem dúvidas, sempre que pretendia vincar o seu apego e fidelidade à empresa, invocava-o deste modo:

— Eu sou Construções Técnicas, vivo das Construções Técnicas e para as Construções Técnicas!

O Manuel Rodrigues, para não desafinar muito com o (mau) clima reinante entre encarregados antigos e técnicos novos, impunha-se de modo agressivo e não dava tréguas ao desenhador que, por azar deste, tinha sido designado para, em obra, dar apoio técnico ao encarregado do ferro, nas complexas montagens das Armaduras nos elementos a betonar. O técnico desenhador era o Peres, um rapaz oriundo da zona de Castelo Branco, mas residente em Lisboa. Ora o moço, para desempenhar a sua missão, não podia estar o dia inteiro de pé, de projetos, bloco e caneta nas mãos, como se compreende; até porque os desenhos a consultar, em simultâneo, eram três, a somar às folhas de Pormenores de Varões. Então o Peres, sentado numa qualquer peça de madeira, desempenharia a sua função de modo muito mais eficaz, do que estar para ali a fazer uma espécie de penitência, só para agradar aos caprichos do encarregado. Mas o Rodrigues é que não aceitava aquele porte que, para ele, era uma afronta aos bons costumes e tradições das Construções Técnicas. Então, para que a sua linha doutrinária fosse seguida por todos os que o escutavam, argumentava assim:

— Eu sou Construções Técnicas, vivo das Construções Técnicas e para as Construções Técnicas! Por tudo isso, não posso permitir que você esteja a trabalhar sentado, dando um mau exemplo aos trabalhadores.

O Peres, cheio de paciência, respondia:

— O senhor não tem a mais pequena noção do trabalho que eu estou a fazer, pois não? Já viu a parafernália de desenhos e pormenores que tenho que consultar e ditar para o Gabriel? Como é que eu posso estar de pé durante todo o dia a fazer o meu trabalho?

O Manuel Rodrigues, a caminho do seu escritório, ia dizendo a quem com ele cruzava:

— Vocês vão ver como é que vou lixar o gajo! Vou fotografá-lo a trabalhar sentado e mando os retratos para a Sede, para o engenheiro Cabrita.

Parvoíce do encarregado. Então ele sabia que a sua entrada na Tomada de Água, tinha sido mal recebida pela maioria dos que já lá trabalhavam sob o comando do Ribeiro Azevedo, e vai dizer, em voz alta, o que pretendia fazer ao Peres? Como se compreende, houve logo um bufo que alertou o desenhador para a tramoia que lhe iria ser preparada.
Agora, era ver o Manuel Rodrigues com a máquina fotográfica escondida, atrás das costas, a deslocar-se, pé ante pé, pelas esquinas dos pilares, para ver se apanhava o Peres em flagrante. É claro que nunca o conseguiu. Porque este, já avisado, de cada vez que via o detetive entrar na zona na do raio de ação da Polaroid, levantava-se, disfarçava assobiando para o lado, como se não fosse nada com ele. Foi um jogo do gato e do rato que terminou com a vitória do Peres, devido à falta de subtileza e astúcia do Rodrigues.


Extrato de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", VOL. II

Obs. Para que as Memórias dos dois protagonistas desta "cena" , se conservem nos nossos pensamentos.

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