A
assistente social das Construções Técnicas, Dª Nazaré, fora designada para
fazer parte da estrutura da delegação da empresa em Angola. Ela era uma pessoa
muito agradável, de trato fácil e sempre disposta a colaborar com toda a gente,
independentemente da categoria profissional de cada um. Então, de modo a
prestar homenagem e manifestar apreço pelo modo como exercera a sua atividade,
nada melhor que presentear a senhora com uma festa de despedida.
Não
estou bem certo das pessoas que organizaram a festa, mas não devo andar muito
longe da realidade se avançar com os nomes da esquerda avançada das C.T, mesmo
antes do 25 de Abril. Seriam o engº Brás Menezes; o dr. Vítor Ramalho; o fotógrafo
Eduardo Franco e o jornalista da casa, Carlos Alberto Correia. O local
escolhido foi a Casa do Alentejo, ali em plena baixa lisboeta. Com um acolhedor
ambiente, o vasto salão de festas, no primeiro andar, era o cenário ideal para
que se desse largas à imaginação de cada um: a discursar; manjar e, depois, em
jeito de remate, entoar algumas melodias da moda. Desde que não ferisse os
ouvidos ou a sensibilidade dos presentes, todo o resto valia. Mas não
especulemos: no fim, logo se veria.
No
repasto, é possível que tenham estado presentes mais de uma centena de pessoas,
mas isso não era o mais importante. O que importava era o reconhecimento e o
carinho que todos queriam demonstrar à senhora. Depois de os promotores terem
oferecido à Dª Nazaré um esbelto ramo de flores, alguns convivas usaram da
palavra, evocando a qualidade da ação desenvolvida pela homenageada, ao longo
dos anos.
E
para que a festa terminasse em apogeu, alguém ligado à organização e com
tendência para a irreverência e rebeldia, irrompeu com as “Janeiras”, para prosseguir
com: “Vejam
bem” e terminar, de modo brusco, com a “Pedra Filosofal”, do
António Gedeão. Porquê, bruscamente? Porque, na época, aquelas cantigas de
intervenção e protesto estavam proibidas. Quem se atrevesse a cantarolá-las,
independentemente do bom ou mau timbre de voz, sujeitava-se a ir, de charola,
passar uma temporada numa cadeia especialmente dedicada aos irreverentes ao
regime. E quando alguém, a sério ou em jeito de brincadeira de maus gosto, cochichou
que de dois fulanos, de fato e gravata, com cara de agentes da polícia secreta,
estariam a rondar a porta de entrada, o grupo de cantores de ocasião, achou que
a serenata ficaria por ali, não fosse alguém ter que ir fazer a digestão do
jantar para a António Maria Cardoso.
Quanto
a mim, o ambiente tornara-se pesado, e eu já estava a ver quando é que os
estranhos engravatados subiam aquela escadaria para deitar a luva a alguns de
nós. Foi um fim de festa um tanto ou quanto anárquico, mas todos: promotores,
homenageada e homenageadores, saíram dali ilesos e livres, creio que devido à
sensata e atempada desmobilização do sarau musical.
Extrato de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", Vol. II
Extrato de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", Vol. II
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