quarta-feira, 17 de julho de 2013

Cena VIII - Na Despedida da Dª Nazaré (1969)

Jantar de Pré-Revolução na "Casa do Alentejo" 


A assistente social das Construções Técnicas, Dª Nazaré, fora designada para fazer parte da estrutura da delegação da empresa em Angola. Ela era uma pessoa muito agradável, de trato fácil e sempre disposta a colaborar com toda a gente, independentemente da categoria profissional de cada um. Então, de modo a prestar homenagem e manifestar apreço pelo modo como exercera a sua atividade, nada melhor que presentear a senhora com uma festa de despedida.

Não estou bem certo das pessoas que organizaram a festa, mas não devo andar muito longe da realidade se avançar com os nomes da esquerda avançada das C.T, mesmo antes do 25 de Abril. Seriam o engº Brás Menezes; o dr. Vítor Ramalho; o fotógrafo Eduardo Franco e o jornalista da casa, Carlos Alberto Correia. O local escolhido foi a Casa do Alentejo, ali em plena baixa lisboeta. Com um acolhedor ambiente, o vasto salão de festas, no primeiro andar, era o cenário ideal para que se desse largas à imaginação de cada um: a discursar; manjar e, depois, em jeito de remate, entoar algumas melodias da moda. Desde que não ferisse os ouvidos ou a sensibilidade dos presentes, todo o resto valia. Mas não especulemos: no fim, logo se veria.

No repasto, é possível que tenham estado presentes mais de uma centena de pessoas, mas isso não era o mais importante. O que importava era o reconhecimento e o carinho que todos queriam demonstrar à senhora. Depois de os promotores terem oferecido à Dª Nazaré um esbelto ramo de flores, alguns convivas usaram da palavra, evocando a qualidade da ação desenvolvida pela homenageada, ao longo dos anos.

E para que a festa terminasse em apogeu, alguém ligado à organização e com tendência para a irreverência e rebeldia, irrompeu com as “Janeiras”, para prosseguir com: “Vejam bem” e terminar, de modo brusco, com a “Pedra Filosofal”, do António Gedeão. Porquê, bruscamente? Porque, na época, aquelas cantigas de intervenção e protesto estavam proibidas. Quem se atrevesse a cantarolá-las, independentemente do bom ou mau timbre de voz, sujeitava-se a ir, de charola, passar uma temporada numa cadeia especialmente dedicada aos irreverentes ao regime. E quando alguém, a sério ou em jeito de brincadeira de maus gosto, cochichou que de dois fulanos, de fato e gravata, com cara de agentes da polícia secreta, estariam a rondar a porta de entrada, o grupo de cantores de ocasião, achou que a serenata ficaria por ali, não fosse alguém ter que ir fazer a digestão do jantar para a António Maria Cardoso.

Quanto a mim, o ambiente tornara-se pesado, e eu já estava a ver quando é que os estranhos engravatados subiam aquela escadaria para deitar a luva a alguns de nós. Foi um fim de festa um tanto ou quanto anárquico, mas todos: promotores, homenageada e homenageadores, saíram dali ilesos e livres, creio que devido à sensata e atempada desmobilização do sarau musical.

Extrato de "DEGRAUS e MARCOS da VIDA", Vol. II
 

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