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Um francês saturado de tanto “Mustaphá” -
Na obra das Construções Técnicas, na Central Termoelétrica do Carregado, havia uma equipa de franceses, funcionários da "Bergeron", que tinha a seu cargo a montagem da Estação Elevatória da Tomada de Água e da 2ª Estação de Bombagem. Eram
eles o Robert, que era o chefe, o Charles e o Jacques. O meu chefe, Virgílio Picanço, encarregado geral da zona da Central, homem com muitos anos de Marrocos e de França e, como tal, falava bem a língua de Vítor Hugo, passava por lá, pela 2.ª Estação de Bombagem
e entretinha-se um bocado na conversa com eles. Também eu, como subordinado do Picanço, por lá passava todos os dias, já que era pessoal da minha equipa que dava apoio de construção civil àquela empresa francesa. Por isso, foi com toda a naturalidade que se estabeleceu um clima bastante cordial entre nós C.T. e a Bergeron.
Ainda que qualquer dos gauleses bebesse bem, o
Robert, que era o chefe e tinha que dar o exemplo, era o que bebia mais. Era quase sempre brandy Sandeman, bebido
pela garrafa, cujo gargalo, desde cedo, começava a inclinar. Pelos vistos e pela quantidade, dava a impressão de que aquilo seria o aperitivo para o almoço, para o lanche e, também, para o jantar. Esta equipa
francesa jantava num restaurante do Carregado, "O Calçada", onde trabalhava o Alexandre, um rapaz transmontano que, anos depois, se estabeleceu no Cartaxo, e onde, ainda hoje, explora um restaurante com o nome de "O Transmontano".
Ele conheceu-os bem, especialmente nas noitadas em que tinha que se manter a pé, até fora de horas, a aturar aquelas esponjas. A título informativo, também direi que o cartaxeiro António Simão, operário das C.T., trabalhou, a partir daqui, com esta equipa francesa, durante alguns anos, em vários países de África.
Uma
vez, convidara-me para jantar com eles nesse tal restaurante do Carregado, a fim de comemorar já nem sei o quê. No fim do repasto, já
em ambiente de copofonia, cai na
asneira de divulgar aos fulanos que, há dois anos atrás, fora vocalista de um conjunto Pop e, por isso, até sabia umas canções francesas, daquelas que estavam em voga. Resultado: nunca
mais me deixaram em paz enquanto não comecei a cantarolar. Comecei pelo “Tchim,
Tchim, a la Santé”, de Richard Anthony, que foi amplamente aplaudida. Para segunda canção escolhi "Donne Moi Ma Chance", do mesmo cantor, que, tal como a primeira, foi recebida com calorosos aplausos; depois, em jeito de remate, arranquei com “La Salsa del
Pomodoro”. Esta, que era a canção em que eu mais confiança depositava, ficou-se pela intenção.
Foi mesmo um sol de pouca dura, porque o Robert, já pingado, interrompeu a minha interpretação, alegando que, de bom grado, escutaria tudo o que eu quisesse cantar: desde um qualquer Fado, até uma qualquer canção de "Mireille Mathieu"; Johnny Halliday; Charles Aznavour, ou mesmo do mal afamado Antoine... todas, menos esta, que falava insistentemente no Mustaphá até à exaustão. E o Robert, espumando da boca, dispôs-se a explicar o porquê de tanta aversão.
Trabalhara ele, há uns três anos atrás, num empreendimento industrial em Marrocos, mais propriamente na Mohammedia, perto de Casablanca. Quando aí alugou um T0, numa residencial airosa, na zona baixa da cidade, estava longe de supor que o Alá lhe tinha reservado um lugarzinho mesmo nas entranhas do Inferno. É que, mesmo por debaixo daquele vistoso apartamento, jazia um Bar. Mas não era um Bar qualquer, já que, tendo em conta que se tratava de um país muçulmano, aquele estabelecimento tinha um horário por demais alargado. Pudera, era propriedade do chefe da polícia local... É verdade. Num Bar que abria à meia-noite e fechava às cinco da matina, uma das novidades, que servia de passatempo e chamariz para a clientela, era uma "moderna" máquina de discos, que não parava de tocar toda a santa noite e madrugada. Mas o principal problema do Robert não apenas o ruído em si, mas, pior que isso, era a cantilena que era quase sempre a mesma, isto é, "vira o disco e toca a mesma". Dava a impressão, que não havia outra música no raio da maquineta senão a que falava do diabo do Mustaphá. É evidente que o Robert, depois daquele massacre de umas quantas horas em branco, só conseguia pregar olho lá para perto das quatro ou cinco da manhã. Mas, segundo me disse o francês, o pior, o que mais o incomodava, era o facto de o disco tocado ser quase sempre o mesmo. Estava mesmo a ver-se, que a música preferida daqueles marroquinos que frequentavam o bar era aquela da “La Salsa del Pomodoro”, criação do Bob Azzam e cujo refrão fala do Mustaphá, repetindo-o vezes sem conta: "Mustaphá, ya Mustaphá.... Dizia-me o nosso amigo Robert, que ainda tentou convencer o proprietário do Bar a vender-lhe o disco por bom dinheiro, coisa que o outro não aceitou. Se aquela era a música preferida da clientela, como é que o dono ia desfazer-se do disco e sujeitar-se a que a casa ficasse às moscas? Mas a verdade é que o Robert tinha razões de sobra para odiar, para sempre, aquele maldito disco.
Voltando à realidade, demo-nos conta de que o nosso jantar já tinha sido digerido fazia tempo, e que, de tanto se falar em Mustaphá, Marrocos, Ramadão e mais as secas areias do deserto, foi sem estranheza que vimos o Robert ordenar ao Alexandre que trouxesse três garrafas de Champagne, para ser bebido por aquelas sequiosas gargantas, ao improvisado som da "Marselhesa". Mas... Mustaphá, jamais!
Autor: José Caria Luís
Obs. Texto extraído do Vol. II do "DEGRAUS e MARCOS da VIDA".
Foi mesmo um sol de pouca dura, porque o Robert, já pingado, interrompeu a minha interpretação, alegando que, de bom grado, escutaria tudo o que eu quisesse cantar: desde um qualquer Fado, até uma qualquer canção de "Mireille Mathieu"; Johnny Halliday; Charles Aznavour, ou mesmo do mal afamado Antoine... todas, menos esta, que falava insistentemente no Mustaphá até à exaustão. E o Robert, espumando da boca, dispôs-se a explicar o porquê de tanta aversão.
Trabalhara ele, há uns três anos atrás, num empreendimento industrial em Marrocos, mais propriamente na Mohammedia, perto de Casablanca. Quando aí alugou um T0, numa residencial airosa, na zona baixa da cidade, estava longe de supor que o Alá lhe tinha reservado um lugarzinho mesmo nas entranhas do Inferno. É que, mesmo por debaixo daquele vistoso apartamento, jazia um Bar. Mas não era um Bar qualquer, já que, tendo em conta que se tratava de um país muçulmano, aquele estabelecimento tinha um horário por demais alargado. Pudera, era propriedade do chefe da polícia local... É verdade. Num Bar que abria à meia-noite e fechava às cinco da matina, uma das novidades, que servia de passatempo e chamariz para a clientela, era uma "moderna" máquina de discos, que não parava de tocar toda a santa noite e madrugada. Mas o principal problema do Robert não apenas o ruído em si, mas, pior que isso, era a cantilena que era quase sempre a mesma, isto é, "vira o disco e toca a mesma". Dava a impressão, que não havia outra música no raio da maquineta senão a que falava do diabo do Mustaphá. É evidente que o Robert, depois daquele massacre de umas quantas horas em branco, só conseguia pregar olho lá para perto das quatro ou cinco da manhã. Mas, segundo me disse o francês, o pior, o que mais o incomodava, era o facto de o disco tocado ser quase sempre o mesmo. Estava mesmo a ver-se, que a música preferida daqueles marroquinos que frequentavam o bar era aquela da “La Salsa del Pomodoro”, criação do Bob Azzam e cujo refrão fala do Mustaphá, repetindo-o vezes sem conta: "Mustaphá, ya Mustaphá.... Dizia-me o nosso amigo Robert, que ainda tentou convencer o proprietário do Bar a vender-lhe o disco por bom dinheiro, coisa que o outro não aceitou. Se aquela era a música preferida da clientela, como é que o dono ia desfazer-se do disco e sujeitar-se a que a casa ficasse às moscas? Mas a verdade é que o Robert tinha razões de sobra para odiar, para sempre, aquele maldito disco.
Voltando à realidade, demo-nos conta de que o nosso jantar já tinha sido digerido fazia tempo, e que, de tanto se falar em Mustaphá, Marrocos, Ramadão e mais as secas areias do deserto, foi sem estranheza que vimos o Robert ordenar ao Alexandre que trouxesse três garrafas de Champagne, para ser bebido por aquelas sequiosas gargantas, ao improvisado som da "Marselhesa". Mas... Mustaphá, jamais!
Autor: José Caria Luís
Obs. Texto extraído do Vol. II do "DEGRAUS e MARCOS da VIDA".
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